sábado, 16 de setembro de 2023

O IMPERIALISMO COLONIAL SOVIÉTICO

Este artigo de Zbigniew Kowalewski sobre o imperialismo russo foi publicado originalmente em novembro de 2014 no Le Monde diplomatique – edição polonesa.

Zbigniew Marcin Kowalewski 20 mar 2022, 12:00

Resumo: A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-econômicos, enfraquecidos e amputados após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparato estatal. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, permanece um fenômeno intrinsecamente interno e externo; ele opera em ambos os lados das fronteiras do país, que estão novamente se tornando móveis. Não podemos compreender a atual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – se não compreendermos que a Rússia continua sendo uma potência imperialista.


Sergey Nikolsky, um filósofo cultural russo, diz que talvez a ideia mais importante para os russos “desde a queda da Bizâncio até agora é a ideia de império e o fato de sermos uma nação imperial”. Sempre soubemos que vivemos em um país cuja história é uma cadeia ininterrupta de expansão territorial, conquista, anexação, defesa dos bens, perdas temporárias e novas conquistas. A ideia de império era uma das mais apreciadas em nossa bagagem ideológica e isto é o que proclamamos a outras nações. Com ela surpreendemos, encantamos ou enlouquecemos o resto do mundo”.

A primeira e mais importante característica do império russo sempre foi, diz Nikolsky, “a maximização da expansão territorial em nome de seus interesses econômicos e políticos, como um dos grandes princípios da política estatal”. [1] Esta expansão foi o resultado da predominância permanente e esmagadora do desenvolvimento extensivo da Rússia sobre seu desenvolvimento intensivo: a predominância da exploração absoluta dos produtores diretos sobre sua exploração relativa, ou seja, baseada no aumento da produtividade da mão-de-obra.

“O império russo foi chamado de ‘prisão dos povos’. Hoje sabemos que não é apenas o estado Romanov que merece esta descrição”, escreveu Mikhail Pokrovsky, o principal historiador bolchevique. Ele mostrou que o Grão-Ducado moscovita (1263-1547) e o Czarado russo (1547-1721) já eram “prisões de povos” e que esses estados foram construídos sobre os cadáveres dos inorodtsy, os povos indígenas não-russos. “É duvidoso que o fato de 80% do sangue que corre nas veias dos grandes russos seja seu sirva de consolo para os sobreviventes. Somente a destruição completa da opressão imperial russa por aquela força que lutou e ainda luta contra toda a opressão poderia ser uma forma de compensação por tudo o que eles sofreram”. [2] Estas palavras de Pokrovsky foram publicadas em 1933, pouco depois de sua morte e pouco antes da ordem de Stalin de substituir, na histórica formulação bolchevique de “Rússia – prisão dos povos”, a primeira palavra por uma diferente: czarismo. O regime stalinista apressou-se então a rotular o trabalho científico de Pokrovsky como uma “concepção anti-marxista” da história russa. [3]

Feudalismo militar imperialista

Ao longo dos séculos, até o colapso da União Soviética em 1991, os povos que foram conquistados e anexados pela Rússia sofreram três formas sucessivas de dominação imperialista. O “imperialismo militar feudal”, como Lenin o chamou, foi o primeiro. Não é sem interesse comentar qual foi o modo predominante de exploração naquele período: feudal ou tributária, ou, como prefere Yuri Semyonov, “politerária” [4]. Esta controvérsia é intensificada pela mais recente pesquisa de Alexander Etkind. Deles emerge que na realidade, os modos coloniais de exploração predominaram: “O império russo foi um grande sistema colonial tanto em suas fronteiras distantes como em suas sombrias profundezas, […] um império colonial como a Grã-Bretanha ou a Áustria, e um território colonizado como o Congo ou as Índias Ocidentais”, porque “ao expandir-se para espaços enormes, a Rússia colonizou seu próprio povo. Foi um processo de colonização interna, a colonização secundária de seu próprio território”.

É por isso, diz Etkind, que devemos “entender o imperialismo russo como um processo interno, não apenas externo” [5]. A escravidão lá era de caráter tão colonial quanto a escravidão negra na América do Norte, mas também afetava os grandes camponeses russos e outros que o czarismo considerava “russos”: os “pequenos russos” (ucranianos) e os “russos brancos” (bielorrussos). Etkind chama a atenção para o fato de que mesmo na Grande Rússia as revoltas camponesas eram de caráter anticolonial e que as guerras com as quais o império esmagou essas insurreições foram guerras coloniais. Paradoxalmente, o centro imperial da Rússia era ao mesmo tempo uma periferia colonial interna, dentro da qual a exploração e opressão das massas do povo era às vezes mais intensa do que em muitas periferias conquistadas e anexadas.

Quando “o imperialismo capitalista moderno” apareceu, Lênin escreveu que no império czarista ele estava “envolvido, por assim dizer, em uma rede particularmente densa de relações pré-capitalistas”, tão densa que “em geral, o imperialismo militar feudal predomina na Rússia”. Assim, ele escreveu, na Rússia “o monopólio do poder militar, do imenso território ou de instalações especiais para desapossar os povos indígenas não-russos, a China, etc., em parte complementa e em parte substitui o monopólio do capital financeiro mais moderno” [6]. Ao mesmo tempo, sendo o imperialismo das seis grandes potências menos desenvolvidas, não era mais do que um subimperialismo. Como Trotsky assinalou, “a Rússia pagou nesta moeda o direito de ser aliada dos países avançados, de importar seus capitais e de pagar juros sobre eles; ou seja, ela pagou, no fundo, o direito de ser uma colônia privilegiada de seus aliados e, ao mesmo tempo, de exercer sua pressão sobre a Turquia, Pérsia, Galiza, países mais fracos e mais atrasados do que ela mesma, e de saqueá-los. No fundo, o imperialismo da burguesia russa, com sua dupla face, nada mais era do que um agente mediador de outras potências mundiais mais poderosas”. [7]

Não há descolonização sem separação

Foram precisamente os poderosos monopólios extra-econômicos mencionados por Lenin que asseguraram a continuidade do imperialismo russo após a derrota o capitalismo na Rússia após a Revolução de Outubro. Ao contrário da afirmação anterior de Lênin de que a norma da revolução socialista seria a independência das colônias, na verdade somente se separam da Rússia as colônias que não foram alcançadas pela expansão da revolução ou aquelas que a rejeitaram. Em muitas regiões periféricas, esta expansão teve o caráter de uma “revolução colonial” liderada por colonos e soldados russos sem a participação dos povos oprimidos e mesmo mantendo de fato as relações coloniais existentes. Georgi Safarov descreveu um processo tal se experimentou na revolução no Turquestão [8]. Em outras regiões a revolução tomou a forma de conquista militar, e alguns bolcheviques, como Mikhail Tukhachevsky, improvisaram rapidamente uma teoria militarista de “revolução desde fora” [9].

A história da Rússia soviética desmente a tese dos bolcheviques de que, com a queda do capitalismo, as relações de domínio colonial de alguns povos sobre outros desapareceriam e que, consequentemente, esses povos poderiam, ou mesmo deveriam, permanecer dentro da estrutura de um único Estado. O “economismo imperialista”, que negou o direito dos povos à autodeterminação e que foi generalizado (embora criticado por Lenin) entre os bolcheviques russos, foi uma manifestação extrema deste fenômeno. Na realidade, é exatamente o contrário: a separação estatal de um povo oprimido é uma condição necessária para a destruição das relações coloniais, mesmo que não a garanta. Vasyl Shakhrai, um militante bolchevique da revolução ucraniana, entendeu isso já em 1918, quando polemizava publicamente com Lênin sobre esta questão[10]. Muitos outros comunistas não-russos também o entenderam na época, notadamente o líder da revolução tártara, Mirsaid Sultan-Galiyev, o primeiro comunista a ser afastado da vida política pública por ordem de Stalin em 1923.

Na realidade, o imperialismo baseado nos monopólios extra-econômicos acima mencionados se auto-reproduzia de muitas maneiras, espontânea e despercebida, mesmo quando perdia sua base especificamente capitalista. Assim, como mostraria Trotsky, nos anos 20 Stalin “tornou-se o vetor da opressão burocrática da Grão-Rússia” e rapidamente “obteve vantagens para o imperialismo burocrático da Grão-Rússia” [11]. Com o estabelecimento do regime estalinista, o domínio imperialista da Rússia foi restaurado sobre todos aqueles povos, anteriormente conquistados e colonizados, que permaneceram dentro das fronteiras da União Soviética, onde representavam metade da população, e sobre os novos protetorados, Mongólia e Tuva.

A ascensão do imperialismo burocrático

Esta restauração foi acompanhada de violência policial assassina e até mesmo de verdadeiros genocídios: o extermínio pela fome conhecido na Ucrânia pelo nome de Holodomor e no Cazaquistão pelo de Shasandy Asharshylyk (1932-1933). Os quadros indígenas bolcheviques e a intelligentsia foram exterminados e a russificação intensiva foi posta em marcha. Pequenas nações e minorias nacionais inteiras foram deportadas (a primeira grande deportação em 1937 foi a dos coreanos que viviam no Extremo Oriente soviético). O colonialismo interno se expandiu mais uma vez e “a mais terrível dessas práticas foi a exploração dos prisioneiros no Gulag, que pode ser chamada de forma extrema de colonização interna” [12]. Como na era czarista, a emigração da população russa e de língua russa para as periferias acalmou as tensões e as crises sócio-econômicas na Rússia, garantindo ao mesmo tempo a russificação das repúblicas periféricas. Superpovoado, empobrecido e atormentado pela fome após a coletivização forçada, o campo russo exportou mão-de-obra em massa para os novos centros industriais nas periferias da União Soviética. Ao mesmo tempo, as autoridades impediram a migração da população local não-russa do campo para as cidades.

A divisão colonial do trabalho distorceu e até retardou o desenvolvimento, e em alguns casos até transformou as repúblicas não russas e regiões periféricas em fontes de matérias-primas e zonas de monocultura. Foi acompanhada por uma divisão colonial entre cidade e campo, trabalho manual e intelectual, mão-de-obra qualificada e não qualificada, bem remunerada e mal remunerada, e uma estratificação igualmente colonial da burocracia estatal, da classe trabalhadora e de sociedades inteiras. Estas divisões e estratificações garantiram ao elemento etnicamente russo ou russificado uma posição social privilegiada com respeito ao acesso à renda, qualificações, prestígio e poder nas repúblicas periféricas. O reconhecimento da “russividade” étnica ou lingüística na forma de “salários públicos e psicológicos” – um conceito emprestado por David Roediger da W.E.B. Du Bois e aplicado em seus estudos sobre a classe trabalhadora americana branca [13] – tornou-se um importante meio de dominação imperialista russa ou a construção de uma “russividade” imperialista dentro da própria classe trabalhadora soviética.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o envolvimento da burocracia estalinista na luta por uma nova divisão do mundo foi uma extensão da política imperialista interna. No decorrer da guerra e depois que ela terminou, a União Soviética recuperou muito do que a Rússia havia perdido após a revolução e também conquistou novos territórios. Sua área territorial cresceu em 1,2 milhões de quilômetros quadrados, para 22,4 milhões de quilômetros quadrados. Após a guerra, o território da URSS era 700.000 quilômetros quadrados maior que o do império czarista quando estava prestes a ruir, e 1,3 milhões de quilômetros quadrados menor que o império no auge de sua expansão em 1866, logo após a conquista do Turquestão e pouco antes da venda do Alasca.

A luta por uma nova divisão do mundo

Na Europa, a União Soviética anexou as regiões ocidentais de Belarus e Ucrânia, Cárpatos-Ucrânia, Bessarábia, Lituânia, Letônia, Estônia, partes da Prússia Oriental e Finlândia, e na Ásia, Tuva e as Ilhas Kuril do sul. Ela passou a controlar toda a Europa Oriental e postulou que a Líbia deveria ficar sob sua tutela. Ela procurou impor um protetorado sobre duas grandes províncias fronteiriças chinesas, Xinyiang e Manchuria. Além disso, ele procurou anexar o norte do Irã e o leste da Turquia, com base no desejo de libertação e unificação de muitas nacionalidades locais. Segundo o historiador azerbaijanês Jamil Hasanli, a “guerra fria” começou na Ásia, não na Europa, em 1945 [14].

“O caráter parasitário da burocracia se manifesta, assim que as condições políticas permitem, sob a forma de pilhagem imperialista”, escreveu na época Jean van Heijenoort, ex-secretário de Trotsky e futuro historiador da lógica matemática. “O aparecimento de elementos do imperialismo implica que a teoria de que a URSS é um estado degenerado de trabalhadores tem que ser revista? Não necessariamente. A burocracia soviética é geralmente alimentada pela apropriação do trabalho de outros, e há muito reconhecemos este fato como inerente à degeneração do estado dos trabalhadores. O imperialismo burocrático é apenas uma forma especial desta apropriação” [15].

Os comunistas iugoslavos se convenceram rapidamente de que Moscou “queria subordinar completamente a economia da Iugoslávia e transformá-la em um mero coadjuvante no fornecimento de matérias-primas à União Soviética, o que dificultaria a industrialização e interromperia o desenvolvimento socialista do país” [16]. As “joint ventures” soviético-jugoslavas destinavam-se a monopolizar a exploração dos recursos naturais da Iugoslávia, necessários à indústria soviética. O comércio desigual entre os dois países asseguraria lucros extraordinários para a economia soviética em detrimento da economia iugoslava.

Após a ruptura da Iugoslávia com Stalin, Josip Broz Tito disse que após o Pacto Molotov-Ribbentrop (1939), e especialmente após a conferência dos “três grandes” em Teerã (1943), a URSS participou da divisão imperialista do mundo e “avançou conscientemente pelo antigo caminho czarista do expansionismo imperialista”. Ele também disse que “a teoria do povo líder dentro de um Estado multinacional”, proclamada por Stalin, “não é nada mais que a expressão da subjugação de fato, da opressão nacional e do saque econômico de outros povos e países pelo povo líder” [17]. Em 1958, Mao Tse Tung observou ironicamente em uma discussão com Nikita Khrushchev: “Havia um homem chamado Stalin que tomou Port Arthur e transformou Xinjiang e Manchuria em semicolônias, e também criou quatro sociedades mistas. Todas estas foram suas boas ações” [18].

A União Soviética à beira da desintegração

O imperialismo burocrático russo contava com poderosos monopólios extra-econômicos, reforçados pelo poder totalitário e, portanto, de caráter não econômico. Como resultado, revelou-se muito fraco ou totalmente incapaz de realizar os planos estalinistas de explorar os países satélites da Europa Oriental e as regiões fronteiriças da China Popular. Diante da crescente resistência nesses países, a burocracia de Moscou teve que abandonar a ideia de “sociedades mistas”, de comércio desigual e da divisão colonial do trabalho que procurava impor. Após a perda da Iugoslávia, a partir de 1948 perdeu gradualmente o controle político sobre a China e alguns outros países e teve que afrouxar seu controle sobre outros.

Dentro da própria URSS, os monopólios extra-econômicos também se mostraram incapazes de assegurar o domínio imperialista de longo prazo da Rússia sobre as grandes repúblicas periféricas. A industrialização, a urbanização, o desenvolvimento da educação e mais geralmente a modernização das periferias da União Soviética, bem como a crescente “nacionalização” de sua classe trabalhadora, da inteligência e da própria burocracia, começaram gradualmente a mudar o equilíbrio de poder entre a Rússia e as repúblicas periféricas em favor destas últimas. O controle de Moscou sobre as repúblicas periféricas estava enfraquecendo e a crescente crise do sistema acelerou o processo, que começou a desintegrar a União Soviética. Contramedidas centrais – como o derrube do regime de Petro Shelest na Ucrânia (1972), descrito como “nacionalista” pelo Kremlin – não conseguiram reverter a situação ou mesmo interromper efetivamente o processo.

Durante a segunda metade da década de 1970, o jovem sociólogo soviético Frants Sheregui tentou observar a realidade da URSS à luz da “teoria da classe marxista combinada com a teoria dos sistemas coloniais”. Ele concluiu que “a extensão gradual da intelligentsia e da burocracia (funcionariado) nacionais [isto é, autóctones – zmk] nas repúblicas não russas, o crescimento da classe trabalhadora – em suma, a formação de uma estrutura social mais progressista – levaria as repúblicas nacionais a se separarem da URSS”. Alguns anos mais tarde, encomendado pelas mais altas autoridades do Partido Comunista Soviético, ele analisou a situação social das equipes de jovens mobilizados pela Komsomol (Juventude Comunista) em todo o país para a construção da ferrovia Baikal-Amur, a famosa “obra do século”. “Eu estava curioso”, diz Sheregui, “sobre a contradição que descobri entre as informações sobre a composição internacional dos operários da construção civil, truncadas pela propaganda oficial, e o alto grau de uniformidade nacional das brigadas de trabalhadores que chegaram”. Eles eram compostos quase inteiramente de pessoas etnicamente russas e de língua russa. “Cheguei então à conclusão inesperada de que os russos (e ‘falantes de russo’) estavam sendo deslocados fora das repúblicas nacionais” pelas chamadas nacionalidades titulares, tais como os cazaques no Cazaquistão.

Isto foi confirmado em seus estudos de dois outros grandes projetos na Rússia. “O governo central sabia disso e estava envolvido no reassentamento dos colonos russos, financiando ‘projetos de engenharia de choque’. Assim, concluí que, devido ao esgotamento dos fundos sociais das repúblicas nacionais, havia escassez de empregos, mesmo para os representantes das nacionalidades titulares, onde havia garantias sociais (creches, acampamentos de férias, sanatórios, oportunidades de moradia); tais situações poderiam levar a antagonismos inter-étnicos, de modo que as autoridades gradualmente “repatriavam” jovens russos que viviam nas repúblicas nacionais. Então percebi que a União Soviética estava prestes a explodir em pedaços”. [19]

Império Militar-Colonial

A crise do regime burocrático soviético e do imperialismo russo foi tão profunda que, para surpresa de todos, a URSS entrou em colapso em 1991, não apenas sem uma guerra mundial, mas nem mesmo uma guerra civil. A Rússia perdeu suas periferias externas, já que 14 repúblicas não russas da União a deixaram e proclamaram sua independência: todas aquelas que, de acordo com a Constituição Soviética, tinham esse direito. Isto resultou em uma perda de territórios – sem precedentes na história russa – totalizando 5,3 milhões de quilômetros quadrados. Entretanto, como Boris Rodoman, um eminente cientista que criou a escola russa de geografia teórica, salientou, a Rússia permanece hoje “um império militar-colonial que é mantido ao preço de um desperdício desenfreado de recursos naturais e humanos, um país de desenvolvimento extensivo no qual o uso extremamente esbanjador e dispendioso da terra e da natureza é um fenômeno comum”. Neste campo, assim como no que diz respeito à “migração de populações, relações mútuas entre grupos étnicos, entre a população local e migrantes em várias regiões, entre autoridades estatais e populações, as características “clássicas” do colonialismo ainda estão vivas, como no passado”.

A Rússia continua a ser um Estado multinacional composto por 21 repúblicas não russas, cobrindo quase 30% do seu território. Rodoman escreve que “no nosso país temos um grupo étnico que leva o seu nome e fornece a língua oficial, bem como muitos outros grupos étnicos; alguns deles gozam de autonomia nacional-territorial, mas não têm o direito de abandonar esta pseudo-federação, ou seja, são forçados a permanecer no mesmo. Cada vez com mais frequência, a necessidade de unidades administrativas estabelecidas segundo linhas étnicas é questionada; o processo da sua liquidação começou com os distritos autónomos. Contudo, quase todos os povos não-russos não viveram na Rússia em resultado da imigração, não se mudaram para um Estado russo existente, mas pelo contrário: são nacionalidades subjugadas por este Estado, deslocadas, parcialmente exterminadas, assimiladas ou cujo estatuto de Estado foi retirado. Neste contexto histórico deve ser considerado que as autonomias nacionais, mesmo até que ponto elas são reais e até que ponto são apenas nominais, constituem uma recompensa moral para as comunidades étnicas que sofreram um “trauma de subjugação”. No nosso país, os pequenos povos que não gozam de autonomia nacional ou cuja autonomia foi retirada desaparecem rapidamente (por exemplo, os Vepsios e os Shors). As comunidades étnicas indígenas, que no início da era soviética estavam em maioria nas suas autonomias, estão agora em minoria, devido à colonização ligada à apropriação de recursos naturais, construção em grande escala, industrialização e militarização. O desenvolvimento de “terras virgens”, a construção de portos e centrais eléctricas nas repúblicas bálticas, etc., não foram apenas por razões económicas, mas também para russificar as periferias da União Soviética. Após o seu colapso, as guerras típicas para preservar colónias num império em desintegração são os conflitos armados no Cáucaso, cujos povos se tornaram reféns da política imperial conduzida de acordo com o princípio de dividir para reinar. A extensão da esfera de influência no mundo, incluindo a reincorporação de antigas partes da URSS a esta esfera, é hoje a prioridade da política externa russa. Nos séculos XVIII e XIX na Rússia czarista, as tribos nômades concordaram em tornar-se súbditos russos, pelo que as suas terras se tornaram automaticamente terras russas. A Rússia pós-soviética entrega passaportes russos aos habitantes dos países vizinhos”… [20]

Restauração do imperialismo capitalista

A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-económicos, enfraquecido e amputado após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparelho de Estado. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, continua a ser um fenómeno intrinsecamente interno e externo; opera de ambos os lados das fronteiras do país, que estão de novo a tornar-se móveis. As autoridades russas criaram uma mega-empresa estatal que tem o monopólio da colonização interna da Sibéria Oriental e do Extremo Oriente. Estas regiões têm depósitos de petróleo e outros minerais. Também gozam de acesso privilegiado a novos mercados globais na China e no Hemisfério Ocidental.

É possível que estas duas regiões partilhem o destino da Sibéria ocidental. “O centro federal reserva para si quase todas as receitas petrolíferas da Sibéria Ocidental, sem afectar fundos à região, mesmo para a construção de estradas normais”, escreveu a jornalista russa Artem Yefimov há alguns anos. “O problema, como sempre, não é a colonização, mas o colonialismo”, porque “é a exploração econômica e não a melhoria e o desenvolvimento do território que a referida empresa procura. […] É basicamente uma admissão do fatto de que no país, ao mais alto nível do Estado, reina o colonialismo. A semelhança desta empresa com a East India Company e outras empresas coloniais europeias dos séculos XVII a XIX é tão óbvia que até pode ser engraçada” [21].

Há um ano, a revolta em massa dos ucranianos na Maidan de Kiev, que culminou com o derrube do regime Yanukovych, foi uma tentativa da Ucrânia de quebrar para sempre a relação colonial que historicamente a ligava à Rússia. Não podemos compreender a actual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – sem compreender que a Rússia continua a ser uma potência imperialista.

Referências

[1] S.A. Nikolsky, „Russkiye kak imperskiy narod”, Politicheskaya Kontseptologuiya, no. 1, 2014, p. 42-43.

[2] M.N. Pokrowsky, Istoricheskaya nauka i bor´ba klassov, Moskva – Leningrad: Sotsekizd, 1933, vol. I, p. 284.

[3] A.M. Dubrovsky, Istorik i vlast´, Briansk: Izd. Brianskogo Gosudarstvennogo Universiteta, 2005, p. 238, 315-335.

[4] Véase J. Haldon, The State and the Tributary Mode of Production, London – New York: Verso, 1993; Yu.I. Semiónov, Politarnyi (‘azyatskiy’) sposob proizvodstva: Sushchnost´ i mesto v istorii chelovechestva i Rossii, Moskva: Librokom, 2011.

[5] A. Etkind, Internal Colonization: Russian Imperial Experience,Cambridge-Malden: Polity Press, 2011, p. 23-24, 26, 251.

[6] V.I. Lenin,Polnoe sobranie sochineniy,Moskva: Izd. Politicheskoy Literatury, 1969- 1973, vol. XXVI, p. 318; vol. XXVII, p. 378; vol. XXX, p. 174.

[7] L. Trotsky,Historia de la Revolución Rusa,Madrid: Fundación Federico Engels, 2007, p. 35.

[8] G. Safarov, Kolonialnaya revolutsiya: Opyt Turkestana, Moskva: Gosizdat, 1921.

[9] M. Tujachevsky, Voyna klassov, Moskva: Gosizdat, 1921, p. 50-59. Em inglês: M. Tukhachevsky, ,“Revolution from Without”, New Left Review,no. 55, 1969.

[10] S. Mazlakh, V. Shakhrai,On the Current Situation in the Ukraine,Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970.

[11] L. Trotsky, Stalin, Petersburg: Lenizdat, 2007, vol. II, p. 189.


domingo, 3 de setembro de 2023

REVOLUÇÃO FRANCESA (1789-1799)

 Foi a revolução que acabou com o absolutismo na França e marcou o início da era conhecida como Idade Contemporânea.

 As 3 grandes fases ou períodos dessa Revolução foram:
1- Assembleia :  está dividida em 
a)Assembleia Constituinte
b) Assembleia Legislativa

2- Convenção Nacional
3- Diretório
4- Consulado

ANTECEDENTES / CAUSAS DA REVOLUÇÃO FRANCESA
1- AS IDEIAS DO ILUMINISMO: de maneira geral, os iluministas
-defendiam a implantação de um regime democrático
-condenavam o modelo político conhecido como Antigo Regime (absolutismo, mercantilismo e privilégios), um modelo arcaico e concentrador de poder político, econômico e jurídico.
-condenavam a divisão da sociedade com base nos velhos estamentos medievais (embora não fossem mais estamentos, ainda havia inclusive algumas obrigações feudais em plena idade moderna)...a sociedade francesa era dividida em três Estados: Clero, Nobreza e Terceiro 
Estado...este último arcava com todos os impostos e o sustendo das classes parasitárias (Clero e Nobreza)
-defendiam as liberdades individuais (direito à vida, liberdade, igualdade jurídica, propriedade privada)
-defendiam uma justiça igualitária para todos e o fim dos tribunais e leis separadas para o Clero e a Nobreza. o fim da desigualdade e dos privilégios que haviam na injusta divisão da sociedade francesa
1 - Clero: vivia de rendas do Estado e não pagava impostos - tinham direito a um voto na Assembleia
2 - Nobreza
: vivia de rendas do Estado e não pagava impostos - tinham direito a um voto na Assembleia
3 -Terceiro Estado (era composto por cerca de 98,5% da sociedade, incluindo alta, média e pequena burguesia, profissionais liberais, artesãos, camponeses, etc...pagavam todos os impostos, sustentavam o país) - só tinham direito a um voto quando estavam reunidos em Assembleia

2 - A CRISE ECONÔMICA: O governo já gastava em média 20% a mais do que arrecadava, porém, uma sucessão de eventos piorou a situação das contas públicas:
a) O custo da Guerra dos Sete Anos (1756-1763): A França guerreou contra a Inglaterra e as Treze Colônias por territórios no nordeste do Canadá. A França perdeu alguns territórios e ficou apenas com Quebec. Essa derrota representou um grave prejuízo no intenso e rentável comércio de peles da região.
b) Para se vingar da Inglaterra, a França enviou navios de guerra e soldados para ajudar a luta  das Treze Colônias no processo de sua independência.
c) Quebra de safra: invernos rigorosos prejudicaram as colheitas e resultaram em desabastecimento, inflação e fome
d) aumento da população: a França era o país mais populoso da Europa, fato que exigia mais produção de alimentos
e) a fome gera revoltas e saques pelo país. O rei é informado da difícil situação
f) queda na arrecadação de impostos: menos alimentos, menos comércio, menos vendas, menos impostos, menos arrecadação, menos dinheiro no cofre do Estado
g) Para tentar resolver o problema econômico, o rei decidiu convocar os Três Estados Gerais (desde 1614 não eram convocados). Cada Estado tinha direito a apenas um voto. O Terceiro Estado não iria mais aceitar essa injustiça, pois sabia que o Clero e a Nobreza se uniriam para derrotá-lo.
Durante a Assembleia, o Terceiro Estado, insatisfeito com o sistema de votação, propôs sua alteração: em vez de um voto por Estado, a votação deveria ser individual ou voto por cabeça...isso aumentaria bastante suas possibilidades de vitória. Clero e Nobreza recusaram. Diante dessa recusa, o Terceiro Estado decidiu reunir-se em separado e fundar a
Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de redigir uma Constituição e transformar a França em uma monarquia constitucional.

O COMEÇO DA REVOLUÇÃO:
Ao mesmo tempo, havia em Paris uma expectativa de que a qualquer momento estouraria uma revolta popular devido à crise econômica e a falta de alimentos.
Entre as tropas ao serviço do rei, havia uma chamada de Gardes-françaises, uma unidade de elite, que se encontrava em Paris. Para evitar confrontos com o povo revoltado, essa unidade militar, recebeu em 12 de julho de 1789, uma ordem para se retirar de Paris...entretanto, muitos desobedeceram, desertaram e colocaram-se ao lado dos revoltosos. Nesse mesmo dia, foram atacados os postos que cobravam impostos, inclusive sobre alimentos, nas portas de Paris. A maior parte desses postos de controle foi destruída e, ao longo das ruas de Paris, construíram-se barricadas para dificultar ou impedir o movimento das tropas reais que a qualquer momento poderiam vir de Versalhes. A procura de armas e munições continuou em toda a cidade. No ponto alto da rebelião, cerca de 250.000 parisienses estavam armados. O que estava em falta eram munições e pólvora e, para obtê-la, os revoltosos dirigiram-se para a fortaleza da Bastilha.

A REVOLTA E A QUEDA DA BASTILHA
Ao saberem que Luis XVI havia ordenado o fechamento da Assembleia,, o povo foi às ruas e junto com o Terceiro Estado criou uma espécie de Governo provisório e uma Guarda Nacional (milícia composta pelo povo).
No dia 14 de julho de 1789, partiram para tomar a pólvora do governo, invadindo a prisão da Bastilha, um dos símbolos do poder absolutista. A população a invadiu, matou a guarnição militar e passou a demolir a prisão. A data do início derrubada desta prisão tornou-se a data nacional do país (14 de julho).

O PERÍODO DO GRANDE MEDO:
As tensões sociais acumuladas ao longo dos anos, o ressentimento contra os privilégios da nobreza e a insegurança alimentar foram algumas das causas que geraram um clima de desconfiança e paranoia nas áreas rurais. Logo após a queda da Bastilha, uma onda de boatos espalhou-se pelo país, provocando uma onda de violência generalizada...os boatos diziam que a nobreza estava escondendo alimentos e organizando uma contraofensiva para reprimir o movimento revolucionário...os camponeses organizaram-se em milícias e passaram a atacar fazendas e castelos, saqueando e matando quem encontrassem pela frente. Muitos nobres fugiram da França. Ao mesmo tempo, essas milícias invadiram os cartórios e destruíram registros de dívidas e contratos. O Grande Medo teve efeito positivo sobre a revolução: diante do risco de uma revolta generalizada do povo, a elite teve que ceder. A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada e aboliu o que ainda havia de privilégios feudais sobre os camponeses

A ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE
Algumas decisões importantes foram
1 - O fim de algumas obrigações feudais que em pleno século XVIII ainda eram exigidos dos camponeses.
2 - 
Elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: decretava que todos os seres humanos eram iguais perante a lei...essa igualdade era no campo jurídico, ou seja, a lei passou a ser apenas uma para todos. 
3 - Elaboração da 1ª Constituição (1791)
4 - A Monarquia tornou-se constitucional
5 - O voto passou a ser censitário (votava quem tivesse determinado nível de renda)
6 - fim dos privilégios do clero e da nobreza: passaram a pagar impostos
7 -Confisco de terras e propriedades da Igreja Católica, reduzindo sua influência política e econômica. A Igreja deixou de ser a religião oficial e muitas propriedades eclesiásticas foram vendidas para financiar as finanças públicas.
7 -C
onstituição Civil do Clero: criou uma espécie de Igreja oficial, onde os padres que aderissem tornavam-se funcionários públicos e o povo elegia quem seria o padre da paróquia.
- Os padres que aderiram foram chamados de Clero Juramentado
- Os padres que rejeitaram e permaneceram fiéis a Roma foram chamados de Clero Refratário
O objetivo desse novo tipo de Igreja era
a) evitar que a Igreja Católica, através de seus padres doutrinassem o povo contra alguma decisão polêmica e anticristã do Estado
b) facilitar o controle do clero, o qual, ao assinar a adesão, se comprometia a cumprir o que o Estado determinasse.

Após a elaboração da Constituição, a Assembleia Constituinte tornou-se Assembleia Legislativa, onde destacaram-se dois grupos com visões diferentes sobre os rumos que a França deveria tomar:
a) Girondinos: eram parte da alta e média burguesia que defendiam mudanças no sentido de industrializar a França, tal como acontecia na Inglaterra. Apoiavam princípios econômicos associados ao liberalismo clássico, como a liberdade de comércio e uma menor regulamentação estatal sobre os negócios. Defendiam a livre concorrência, acreditando que o Estado deveria ter um papel limitado na economia e permitir que os indivíduos e as empresas buscassem seus interesses econômicos sem muitas restrições. Eles também eram mais propensos a defender uma economia de mercado aberta, em oposição a um controle mais direto do Estado sobre a produção e a distribuição de bens. No entanto, é importante observar que as posições dos girondinos variavam e não eram homogêneas. À medida que a Revolução Francesa avançava e as circunstâncias mudavam, algumas de suas posições políticas e econômicas também evoluíram. Eles sentavam-se no lado direito da Assembleia. Esse fato, com o tempo deu surgimento à falsa ideia de que a direita só pensa e defende os ricos.

b) Jacobinos: faziam parte da média e pequena burguesia e de maneira geral eram a favor de uma maior centralização do poder  e mais intervenção do Estado no sentido de favorecer os mais pobres. Alguns dos principais pontos econômicos defendidos incluíam:
-Redistribuição de Riqueza: através de cobrança de impostos sobre os mais ricos e limitação do tamanho de suas propriedades rurais.
-Controle Estatal da Economia: Para os jacobinos, o Estado deveria ter um papel mais ativo na economia, o qual podia incluir até o controle de preços e a distribuição de bens essenciais. 
-Impostos Progressivos: Eles defendiam um sistema de impostos progressivos, onde os mais ricos pagariam mais, visando aliviar o fardo dos mais pobres e financiar programas sociais.
Os jacobinos sentavam-se no lado esquerdo...com o tempo, surgiu também a falsa ideia de que a esquerda odeia a burguesia (os jacobinos eram da média e pequena burguesia e não eram pobres) e só defende os mais pobres.

c) Cordeliers: seu grande líder foi Georges Jacques Danton. Eles eram favoráveis à Revolução e à derrubada da monarquia, mas não necessariamente apoiavam as medidas mais brutais dos jacobinos. Defendiam uma democracia mais direta e participativa, com maior envolvimento popular nas decisões políticas. Embora também fossem radicais, eles eram menos propensos a apoiar o uso excessivo da violência e da repressão política. Mesmo assim, apoiaram a ditadura jacobina. Sentavam-se à esquerda, junto com os jacobinos.


A MARCHA SOBRE VERSALHES (OU MARCHA DAS MULHERES)
Fo
i um evento ocorrido em outubro de 1789, causado por diversos motivos: escassez de alimentos, inflação e a crescente insatisfação popular com a situação econômica e política. Essas dificuldades estavam sendo discutidas inicialmente por um grupo de mulheres comerciantes do Mercado de Paris...uma multidão cada vez maior ajuntou-se a essas mulheres...decidiram então ir até Versalhes para falar diretamente com o rei, exigindo que apressasse a solução da falta de pão. Na chegada ao palácio surgiu o boato de que Maria Antonieta teria dito que se "eles não tem pão, que comam brioches"; isso nunca foi comprovado e provavelmente foi um boato criado pelos que odiavam a rainha, considerada uma mulher voltada apenas para o luxo e a ostentação da Corte em Versalhes...muitos membros da corte também viviam em uma espécie de outro mundo, bem diferente da difícil realidade da maioria do povo.
A marcha teve um impacto significativo a tal ponto que o rei foi obrigado a morar em Paris, onde seria mais fácil de ser vigiado. 

A FUGA E A PRISÃO DO REI
Causas:
- A questão religiosa: Havia uma forte tensão entre o rei e a Assembleia, devido à criação da Constituição Civil do Clero, pois até então, o rei era por tradição o chefe local da Igreja Católica, tendo o poder de nomear bispos e outros líderes eclesiásticos...além disso, a Igreja frequentemente estava envolvida em questões políticas do país.
- o rei e sua família eram praticamente prisioneiros do Palácio das Tulherias em Paris, onde   suas ações eram monitoradas. A monarquia já estava enfraquecida e as tensões entre a família real e os deputados estavam crescendo. Um deputado chamado Mirabeau, que também era conselheiro do rei, sugeriu ao monarca que "...no caso da colaboração do rei com a Assembleia se tornar impossível, restaria a possibilidade de deixar Paris e comandar tropas favoráveis à sua causa e invadir a capital afim de dar cabo à Revolução".
- a pressão de aliados do rei no sentido de uma reação monárquica.

O rei tentou fugir e chegar à Áustria, entretanto, seus passos estavam sendo vigiados e em 21 de junho de 1791, a carruagem real é interceptada na cidade de Varennes, onde a família real é presa e escoltada de volta à Paris.

O FIM DA MONARQUIA, O INÍCIO DAS GUERRAS, A INSTALAÇÃO DA REPÚBLICA
A prisão do rei leva a Áustria (terra natal da rainha) e a Prússia a declararem guerra à França. Além da prisão, havia outros motivos para essa declaração:
a) Medo da disseminação de algumas ideias tais como o fim dos privilégios da nobreza, confisco de terras, perseguição à Igreja Católica, etc.
b)  a Revolução Francesa era vista como uma ameaça à ordem social existente, baseada no Antigo Regime.
c) Uma parcela considerável de nobres franceses já havia emigrado para a Prússia e a Áustria, onde alertavam para o perigo da expansão daquele processo revolucionário que ocorria na França.
d) interesse em anexar algumas fatias do território francês.

Ao saberem da declaração de guerra, a Assembleia decretou a Pátria em Perigo e convocou todo o povo para defender o país. Dentre os deputados
Robespierre, Danton e o também jornalista Marat destacaram-se, conclamando o povo a lutar contra os invasores. Foi criado uma espécie de Exército Popular, o qual, mesmo sem o devido treinamento militar, conseguiu resistir e vencer a Batalha de Valmy.

Em setembro de 1792, após a vitória, a república é proclamada, o rei é julgado e considerado culpado. Sua execução ocorre em janeiro de 1793.

A CONVENÇÃO NACIONAL / O COMITÊ DE SALVAÇÃO / PERÍODO DO TERROR

A guerra provocou a radicalização da Assembleia. contribuiu para a radicalização da revolução e deu início a uma fase conhecida como Terror. Os líderes jacobinos denunciavam que a França estava lutando contra inimigos externos, mas havia muitos inimigos internos e era preciso tomar medidas radicais para prender e eliminar esses traidores da pátria.
Os Girondinos não aceitavam essas medidas extremas dos jacobinos e passaram a ser acusados de traição e colaboração com os inimigos.

O GOLPE JACOBINO
Os jacobinos faziam parte da média e pequena burguesia; defendiam mais centralização do poder e intervenção do Estado no sentido de favorecer os mais pobres. No entanto, queriam implantar suas medidas de maneira ditatorial, usando a violência institucionalizada (prisão, julgamento sumário e execução). Sendo assim, abandonaram todo e qualquer princípio democrático e de respeito aos que pensavam de maneira diferente  e discordavam. Criaram o mais perfeito modelo de ditadura sanguinária, que serviu de base para os socialistas do século XX.
Os jacobinos, como o apoio dos Sans-Culottes* implantaram uma ditadura chamada de Comitê de Salvação Pública. Os Girondinos e todos os parlamentares que discordavam tiveram que fugir: uns foram para o exílio, outros se esconderam. Quem não conseguiu foi preso, julgado sumariamente, condenado e executado.
*Sans-Culottes: eram pessoas comuns, em geral trabalhadores urbanos e artesãos, cujo apelido vinha das calças simples que usavam (sem os culotes usados pela nobreza). Eles aliaram-se aos Jacobinos e passaram a agir também como força de apoio nas ruas e uma milícia violenta que muitas vezes chegou a a matar todos aqueles que eram considerados inimigos do povo. 
O TERROR JACOBINO
(1793-1794)
O Comitê de Salvação Pública era composto por Robespierre, Danton, Saint-Just, Herbois, Carnot e outros. O que eles decidiam tornava-se lei.
O  Comitê adotou medidas reprimir qualquer ação que era considerada antipatriota e contrária aos seus interesses:
- Lei dos Suspeitos: O Comitê desconfiava de todos os franceses. Essa lei tinha critérios bastante vagos para definir que seria considerado um "suspeito"...sendo assim muita gente foi presa e executada injustamente. Isso levou a uma onda de prisões e execuções em massa...milhares de pessoas foram presas, julgadas sumariamente e executadas sob acusações de serem inimigos da revolução, incluindo os poucos nobres que ainda viviam no país, clérigos, cristãos devotos, revolucionários moderados e até mesmo jacobinos considerados pouco radicais.
-Tribunal Revolucionário: prendia, julgava e executava rapidamente...era uma justiça precária, parcial e injusta. Os réus eram acusados com base em acusações vagas de conspiração, traição ou "inimizade à revolução"...era difícil contestar as acusações de forma eficaz.  Os julgamentos eram apressados, e os réus tinham pouca ou nenhuma chance de defesa adequada.

A DESCRISTIANIZAÇÃO
Para o Comitê, dar a vida pela fé cristã e não pela ideologia do Estado era um verdadeiro crime. O cristianismo passou a ser visto como inimigo do Estado e por isso foi criado um programa de Descristianização que implantou:
- Novo Calendário: com base nas estações do ano e nas épocas de plantio e colheita (Exemplo: vindimário, brumário, termidor, nivoso, pluvioso, ventoso, germinal, florial, prairial, etc.)
- Os meses continuavam com trinta dias, entretanto, as semanas tinham 10 dias, onde se trabalhava nove e descansava um. Sendo assim, não existia mais o domingo, dia considerado sagrado pelos cristãos. Os feriados cristãos também foram retirados do calendário, assim como os nomes religiosos de ruas, cidades, etc.
- Cada dia tinha 10 horas, cada hora, 100 minutos; e cada minuto, 100 segundos. O sistema decimal era, dessa forma, a base da reelaboração do calendário, evidenciando a influência do racionalismo e da matemática como contraponto à influência religiosa na marcação do tempo.
- o ano I deixou de ser o ano do nascimento de Cristo e passou a ser o ano da instauração da República, em 1793. O primeiro dia do calendário francês correspondia, então, ao dia 22 de novembro de 1793 do calendário gregoriano.
- Esse calendário foi mantido pelos Girondinos e só foi abolido por Napoleão, em 1804.

Ações positivas do Comitê: embora marcado muito mais pelo derramamento de sangue e perseguição aos opositores, o Comitê deixou alguma coisa positiva:
a) abolição da escravidão nas colônias
b) implantação de escolas públicas
c) Recrutamento militar: conhecido como Levee en Masse, permitiu que a França mobilizasse grandes exércitos em curtos períodos de tempo, contribuindo para sua capacidade de defesa durante as Guerras Napoleônicas.

Alguns dos massacres promovidos pelos Jacobinos:
-Massacres de Setembro de 1792: foram massacres executados pelos Sans-Culottes, onde centenas de prisioneiros políticos, incluindo membros da nobreza e clero, foram mortos.
-Levantes em Lyon: Lyon se rebelou contra a Revolução e foi duramente reprimida pelas forças revolucionárias, resultando em execuções em massa.
-Execuções na guilhotina: As execuções na guilhotina tornaram-se comuns durante o Terror, com milhares de pessoas, incluindo líderes políticos e membros da aristocracia, sendo executadas publicamente.
-Assassinato das Irmãs Carmelitas de Compiègne: aqueles que se recusavam a renunciar à sua fé religiosa ou a abandonar seus votos religiosos eram frequentemente vistos como suspeitos de deslealdade à Revolução. Os jacobinos exigiam que os cidadãos jurassem lealdade à República Francesa e à causa revolucionária, e isso incluía renunciar a quaisquer lealdades religiosas que pudessem interferir com essa lealdade. As freiras recusaram-se e por isso foram guilhotinadas.
-Levantes em Toulon: Toulon, uma cidade portuária importante, se rebelou e foi retomada pelas forças republicanas, levando a punições severas contra os rebeldes.
-Genocídio na Vendeia: estima-se que entre 100 mil e 200 mil pessoas teriam sido assassinadas pelo simples fato de serem católicos fieis a Roma e não aceitavam a descristianização. 

O COMITÊ PERDE O APOIO E CHEGA AO FIM
Com o passar do tempo, os Jacobinos foram perdendo a simpatia e o apoio de uma boa parte do povo, o qual não concordava com a descristianização e questionava um governo que tinha abandonado qualquer princípio básico de humanidade, racionalidade, compreensão, respeito, piedade, fraternidade, etc. O Comitê estava cego e sedento por sangue...Danton, um dos membros do Comitê, aconselhava que era preciso diminuir tanta perseguição e matança, pois o Comitê iria inevitavelmente perder o apoio da  maioria do povo. Para sua surpresa, Robespierre o acusou de ser traidor e o Comitê ordenou sua execução. 

A REAÇÃO TERMIDORIANA (9 DO TERMIDOR) - O GOLPE DOS GIRONDINOS:
A carnificina promovida pelos jacobinos gerou uma natural reação dos opositores, os quais ganharam apoio suficiente para derrubar a ditadura. Essa reação resultou no evento chamado de Reação Termidoriana, através da qual os Girondinos tomaram  o poder, prenderam e executaram os membros do famigerado Comitê.

GOVERNO GIRONDINO - O DIRETÓRIO
Embora tenham reaberto a Assembleia, os girondinos governaram através de um Diretório - consistia em um grupo de cinco diretores executivos, ou seja, mantiveram uma ditadura. O Diretório foi marcado por instabilidade política, corrupção e lutas pelo poder. E
Principais ações:
- Fim do Terror: O Diretório marcou o fim do período mais violento da Revolução Francesa, conhecido como o Terror, embora ainda tenham continuado a perseguição aos cristãos da Vendeia
.
- Retorno do voto censitário.

- Retomada das Relações Internacionais: O Diretório buscou normalizar as relações com outras nações europeias após anos de conflito durante as Guerras Revolucionárias Francesas. O Tratado de Campoformio, em 1797, marcou uma trégua nas hostilidades com a Áustria e outras potências europeias.

O FIM DO DIRETÓRIO - O GOLPE DO 18 DE BRUMÁRIO
O governo do Diretório governou entre 1795 e 1799, sem conseguir pacificar o país, o qual vivia mergulhado em revoltas comandadas pelos opositores espalhados por toda a França. Eram constantes as lutas de facções, os assassinatos, roubos, vandalismo, etc. Uma destas rebeliões foi a Conspiração dos Iguais,  liderada pelo jacobino radical Graco Babeuf, que defendia uma sociedade onde não existiria a propriedade privada. Os Girondinos sufocaram esta rebelião, onde Babeuf terminou sendo executado.  
A França estava em um estado de caos político e instabilidade. Diante desse quadro, o nome de Napoleão passou a ser visto como o único que conseguiria pacificar internamente o país. Napoleão estava famoso por ser excelente estrategista que conseguiu levar a França a derrotar os inimigos em suas fronteiras. Napoleão foi convidado a participar do golpe que resultou no fim do Diretório e na ascensão do Consulado. O golpe do 18 de Brumário (9 de novembro de 1799) foi planejado por vários políticos, incluindo membros do Diretório.

O CONSULADO - NAPOLEÃO NO PODER
Napoleão assumiu o comando do país como Primeiro Cônsul, o cargo mais poderoso do governo. Usando a violência do Exército, Napoleão consegue pacificar a França. Ao longo dos anos seguintes, Napoleão consolidou seu poder e em 1804 tornou-se imperador.

LEGADO POSITIVO DA REVOLUÇÃO FRANCESA
  • Fim dos privilégios do clero e da Nobreza

  • Fim das últimas obrigações medievais;

  • Estímulo à derrubada do absolutismo, o qual iria ocorrer no restante da Europa no início do século XIX;

  • Inspiração para a libertação das colônias na América hispano-portuguesa (que ocorreu nas duas primeiras décadas do século XIX na América Latina)

  • Popularização da república como forma de governo;

  • Popularização da ideia separação dos poderes;

  • Ideais de liberdade individual e igualdade jurídica

  • Ideais de patriotismo.

    LEGADO NEGATIVO
    - a ditadura do Comitê de Salvação Pública serviu de inspiração para os regimes opressores marxistas, em especial na revolução russa. Os marxistas copiaram o modelo autoritário: Comitê Central, Milícias, prisão e execução sumária de suspeitos, tribunal revolucionário, perseguição a todo o tipo de religião, criação de uma religião oficial obediente ao Estado, milhares de execuções, etc.