TEMA 1 - MARX CONCORDA COM ADAM SMITH
Karl Marx, fundador da ideologia marxista, sempre criticou a burguesia. Entretanto, o próprio Marx, em seu livro O Capital, reconheceu a importância da classe burguesa, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da produção industrial, multiplicação da produção de mercadorias e seu barateamento.
Segundo o próprio Marx, a industrialização, impulsionada pelo espírito empreendedor da burguesia, resultou em
a) avanços tecnológicos
b) redução dos custos de produção
c) criação de métodos mais eficientes para produzir mercadorias em larga escala
d) Oferta de mercadorias com baixo preço, as quais tornaram-se acessíveis para os pobres
Marx, querendo ou não, concordou com o economista Adam Smith, considerado o pai da economia clássica liberal...Smith afirmava que a burguesia, ao buscar seus interesses próprios, contribuiu para o desenvolvimento das forças produtivas e o barateamento das mercadorias...ou seja, pensando em lucrar, a burguesia ao mesmo tempo oferecia melhores produtos com preços mais baixos.
Adam Smith argumentava que a busca individual pelo lucro beneficiava a sociedade: ao buscar maximizar seus próprios interesses, os empresários contribuiriam para o bem-estar geral, fornecendo mercadorias e serviços melhores e mais baratos.
TEMA 2 - A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS CRIANÇAS
Ao longo da história humana, sempre existiu o trabalho infantil, nos campos ou nas cidades, trabalhando na agricultura, pecuária, pesca, artesanato, etc...não era uma questão de maldade dos pais, mas sim de necessidade econômica. O que obrigou agricultores a colocar seus filhos para trabalhar foi o fato de que, como a produtividade era baixa, tais pessoas simplesmente tinham de trabalhar 70-80 horas por semana se quisessem produzir o suficiente para comer.
Durante todo esse longo tempo, o trabalho infantil passou despercebido. Foi o capitalismo e a acumulação de capital gerada pelo capitalismo quem permitiu o desaparecimento do trabalho infantil entre as massas pela primeira vez na história da humanidade, a partir do momento em que o tornou mais visível ao movê-lo do campo para as fábricas. Só no final do século XVIII e durante o século XIX, com o advento da Revolução Industrial é que o mundo despertou para a necessidade de criar regras de proteção para as crianças
Por que isso só aconteceu com a chegada da Revolução industrial?
a)as fábricas localizavam-se geralmente nas cidades, no meio urbano, onde o trabalho infantil ganhou a visibilidade que não tinha no mundo rural
b)já havia imprensa livre na Inglaterra, e essa imprensa passou a divulgar o problema de crianças que não iam à escola e passavam o dia trabalhando em ambientes perigosos, insalubres e em longas jornadas de trabalho.
Foi o capitalismo o meio necessário para que as autoridades se movessem e passassem a tomar medidas para mudar a situação das crianças. Ainda hoje, em países menos capitalistas, as crianças sofrem com essa situação de ter de trabalhar em vez de estudar.
TEMA 3 - PRODUZINDO EM MASSA PARA AS MASSAS
O capitalismo não é simplesmente produção em massa, mas sim produção em massa para satisfazer as necessidades das massas. O artesanato e o trabalho manual dos velhos tempos eram voltados quase que exclusivamente para os desejos dos abastados. E então surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a multidão. Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas.
-os pobres passaram a ter acesso a uma quantidade maior de roupas e sapatos, algo que antes era inimaginável...
-antigamente, ter apenas dois pares de roupas por ano era uma realidade para muitos, e a necessidade de economizar era uma prática recorrente...
-Os
tecidos eram caros, e as pessoas frequentemente reciclavam ou
reaproveitavam tecidos existentes para criar novas roupas. Isso incluía
desmanchar roupas antigas para usar o tecido em novas peças.os próprios tecidos usados eram reaproveitados devido à dificuldade e o custo de se produzir e comprar.
- Uniformidade e Simplicidade: A moda era algo destinado apenas para os ricos...não havia moda para os pobres...as roupas tinham que ser bem simples, práticas e duráveis, muitas vezes refletindo as condições de trabalho e o estilo de vida das pessoas.
- Com a industrialização, a produção em massa de roupas tornou-se possível, proporcionando uma maior disponibilidade e variedade de vestuário para as pessoas.
TEMA 4: A PROPRIEDADE PRIVADA
Na história humana, a propriedade surgiu antes do Estado e do Direito. O Estado e o Direito surgiram para, entre outras coisas, regulamentar e garantir o direito à propriedade.
O princípio da propriedade privada serviu de base para o progresso e desenvolvimento das civilizações ao longo da história, resultando em aperfeiçoamento, inovação, diversificação, produção em massa, eficiência, etc.
A PROPRIEDADE PRIVADA PROPORCIONA:
a) Incentivo à Inovação: Quando os indivíduos têm o direito e a liberdade de agir, de criar, de inventar e de colher os benefícios de suas ideias e esforços, são motivados a buscar soluções criativas e aprimorar produtos e serviços.
b) Eficiência na Alocação de Recursos: os recursos (dinheiro, bens móveis, bens imóveis, equipamentos, máquinas, etc.), são alocados com base na demanda e na oferta do mercado. Isso incentiva a produção eficiente e a utilização racional dos recursos.
c) Geração de Riqueza: Ao permitir que os indivíduos acumulem propriedades e recursos, O Estado cria um ambiente propício para o investimento, o crescimento econômico e a melhoria do padrão de vida.
d) Proteção dos Direitos Individuais: O direito de possuir propriedade é fundamental para a liberdade individual, permitindo que as pessoas controlem seu próprio destino e tomem decisões autônomas.
e) Estímulo ao Empreendedorismo: fornece aos empreendedores (e aos que querem ser) a motivação para investir, assumir riscos e buscar oportunidades de negócios. A perspectiva de colher recompensas pessoais incentiva a inovação e o crescimento econômico.
f) Desenvolvimento de Mercados Competitivos: A competição entre proprietários individuais e empresas impulsiona a eficiência, a redução de preços e a melhoria da qualidade dos produtos e serviços.
g) Responsabilidade e Manutenção: Quando as pessoas são donas de suas propriedades, elas geralmente são levadas a cuidar e zelar, sabendo que é uma parte importante de seu empreendimento o devido cuidado, inclusive com relação ao meio ambiente.
h) Diversidade e Escolha: há uma ampla gama de produtos, serviços e opções disponíveis para atender às diferentes preferências e necessidades individuais. Quanto mais empresas privadas existirem, mais oportunidades de escolha, mais aprimoramento, mais oferta de mercadorias e serviços de melhor qualidade.
TEMA 5: O FIM DA PROPRIEDADE PRIVADA NA DITADURA SOCIALISTA
Em outubro de 1917, os Bolcheviques e Sovietes tomaram o poder através de um golpe.
As consequências foram as seguintes:
- tomaram todas as propriedades privadas: casas, terrenos, fábricas, lojas, fazendas, etc.
- prenderam e executaram os burgueses (empresários grandes, médios e pequenos foram presos e eliminados) e os nobres.
-As empresas privadas russas foram estatizadas
-As empresas privadas estrangeiras foram nacionalizadas e estatizadas
- A propriedade e o controle das empresas passaram a ser do governo soviético
- Na prática, passaram para o controle da ELITE DO PARTIDO COMUNISTA, O QUAL ERA O ÚNICO PARTIDO, POIS OS DEMAIS TINHAM SIDO FECHADOS).
- O Estado soviético nomeou gerentes para administrar as empresas, os quais eram na maioria dos casos apenas membros do partido comunista, sem nenhuma experiência e competência para administrar estas empresas.
-Embora a intenção fosse eliminar a elite burguesa, o que aconteceu foi substituição por uma elite burocrática. Funcionários do partido comunista, burocratas estatais e gestores designados passaram a ter um papel significativo no controle e na tomada de decisões econômicas.
-Isso resultou de maneira geral em fracasso, pois não havia mais o objetivo do lucro, nem havia mais concorrência, nem interesse em melhorar, inovar, melhorar o atendimento, qualidade, etc. O modelo econômico soviético foi marcado por uma mistura de realizações e limitações ao longo de sua existência.
TEMA 6: A SITUAÇÃO DAS RESIDÊNCIAS NO SOCIALISMO - O FALSO DISCURSO DA IGUALDADE
Na ditadura soviética (e em outros países onde o socialismo foi implantado), todas as residências, grandes ou pequenas passaram a pertencer ao Estado (na prática ao Partido Comunista). Eram os burocratas designados pelo Partido que decidiam quem iria morar em cada residência. Criou-se um gigantes aparato burocrático onde os amigos dos burocratas tinham privilégios, enquanto a maioria sofria dividindo uma casa com mais duas ou três famílias.
Na prática, várias famílias compartilhavam os mesmos espaços de moradia. Era comum uma casa ter três fogões. Essa situação era especialmente comum em áreas urbanas, onde a demanda por moradias excedia a oferta. Várias famílias foram alocadas para residências anteriormente pertencentes a uma única família, e apartamentos eram frequentemente compartilhados entre diferentes núcleos familiares.
A prática de várias famílias compartilhando uma única residência tornou-se uma realidade comum durante esse período.
Entretanto, a elite do Partido Comunista, que defendia o ideal de igualdade, na prática, era hipócrita, pois ocuparam as melhores residências, os palácios, os palacetes, as casas de campo, etc.
Isso criou uma nova elite burocrática que substituiu a antiga elite burguesa e nobiliárquica.
O que mais se viu foi a contradição entre o discurso de igualdade e a realidade da concentração de poder e privilégios nas mãos da Elite do Partido Comunista.
TEMA 7: EMPRESA PRIVADA X EMPRESA ESTATAL
A- EFICIÊNCIA ECONÔMICA:
Empresa Privada: Geralmente, são orientadas para o lucro, o qual só é obtido mediante a eficiência, inovação e bom atendimento do consumidor em um ambiente de concorrência elevada. A pressão da concorrência muitas vezes leva a uma busca por eficiência operacional e maximização de resultados financeiros.
Empresa Estatal: não enfrentam desafios de eficiência por não terem preocupações com eficiência, inovação, etc. Não sofrem a pressão da concorrência e da geração de lucros. A falta de incentivos para maximizar os lucros pode levar a práticas menos eficientes.
B- FLEXIBILIDADE E AGILIDADE:
Empresa Privada: A flexibilidade para se adaptar rapidamente às mudanças nas condições de mercado é uma característica comum em empresas privadas. A tomada de decisões ágil e a capacidade de reestruturar operações rapidamente são vantagens associadas a esse setor.
Empresa Estatal: De maneira geral, estão subordinas à burocracia estatal e aos interesses políticos dos governantes. Seus processos de tomada de decisão são mais lentos, o que pode afetar a capacidade de resposta a mudanças rápidas no ambiente de negócios.
C- INOVAÇÃO
Empresa Privada: A concorrência impulsiona a inovação, a eficiência e a redução de custos para que possam sobreviver e continuar gerando emprego e renda. Há um incentivo claro para desenvolver novos produtos e serviços para atender às demandas do mercado.
Empresa Estatal: De maneira geral, o interesse em inovar é menor devido à falta de concorrência, embora isso não signifique que não exista. Exemplo:
- A NASA (lembrando que a legislação americana é bem diferente da nossa, ou seja, a estabilidade para funcionários públicos existe, mas é bem menor se comparada com a do Brasil). No entanto, em alguns casos, setores estratégicos em empresas estatais podem receber investimentos específicos em pesquisa e desenvolvimento.
D- QUALIDADE DO SERVIÇO:
Empresa Privada: de maneira geral buscam fornecer serviços de alta qualidade para atrair e manter clientes. A reputação e a satisfação do cliente são vitais para o sucesso a longo prazo.
Além da concorrência, muitas empresas possuem programas de bonificação em dinheiro para os funcionários que cumprirem metas definidas pela direção.
Empresa Estatal: No passado, a fama do funcionário público era a de que era preguiçoso, não trabalhava e quando assim fazia, atendia de má vontade. De maneira geral, a qualidade do serviço público pode variar e depende muitas vezes do interesse e dedicação do funcionário.
Sendo assim, há, de maneira geral, menos qualidade no atendimento ao público. Exemplos:
-buracos abertos por empresas de saneamento que levam muito tempo para serem fechados, prejudicando o trânsito e gerando longas filas de veículos
-limpeza pública precária (boa parte da culpa também é da má educação do povo)
-falta de saneamento e fornecimento precário de água potável em muitas residências
-pouca iluminação das ruas e praças, aumentando a sensação de insegurança
-professores desinteressados, preguiçosos, etc.
Copiando o setor privado, algumas estatais e repartições públicas também criaram programas de metas e índices para melhorar a qualidade, interesse, inovação, etc., retribuindo com prêmios em dinheiro.
E- RESPONSABILIDADE FINANCEIRA
Empresa Privada: é essencial para a sua sobrevivência, pois estão sujeitas tanto à pressão dos acionistas (no caso de empresas de grande porte) quanto ao risco de falência. Para se manter viva, a empresa necessita de severa disciplina dos recursos financeiros, procurando constantemente reduzir custos ao mesmo tempo em que deve manter a qualidade, a inovação e o bom ambiente de trabalho, para que seus funcionários trabalhem satisfeitos na medida do que for possível.
Empresa Estatal: de maneira geral, a preocupação com as finanças se limita apenas a cumprir a burocracia e prestar contas de maneira correta, uma vez que não existe a questão do lucro; a entrada de dinheiro não vem diretamente dos consumidores, mas dos impostos pagos por eles.
F- ATENDIMENTO AOS INTERESSES PÚBLICOS:
Empresa Privada: Seu foco principal é atender
a) ao consumidor, ou seja, ao público, sem o qual não há venda, nem lucro, nem salário, nem emprego, nem empresa.
b) aos acionistas (no caso de grandes empresas) o atendimento aos interesses dos acionistas (que podem ser ou não grandes investidores).
Empresa Estatal:
No Brasil, há uma forte relação dessas empresas com os governantes e os partidos políticos. Essa relação envolve diversos fatores políticos, econômicos e sociais.
TEMA 8: INTERESSE DOS GOVERNANTES E PARTIDOS POLÍTICOS EM MANTER EMPRESAS ESTATAIS
a) Recursos e Orçamento: Algumas estatais (ex: a Petrobrás) controla um gigantesco orçamento e possui recursos valiosos. O controle político sobre essas empresas oferece aos partidos a oportunidade de direcionar investimentos, projetos e gastos de acordo com suas prioridades políticas e programas, os quais podem envolver corrupção, cujo maior exemplo foi o Petrolão.
b) Distribuição de Empregos: Empresas estatais frequentemente têm grande número de funcionários, fato que atrai a cobiça dos partidos e dos políticos para nomear seus aliados políticos e seus amigos. Muitas nomeações não levam em conta a qualificação técnica para o cargo, ou seja, nomeiam-se pessoas despreparadas e incompetentes, com salários altíssimos e privilégios.
c) Captura de Recursos: são oportunidades para a captura (desvio) de dinheiro público, através da manipulação de contratos, licitações e outras transações para beneficiar interesses específicos, incluindo empresas próximas aos partidos políticos.
d) Base de Apoio Eleitoral: pode contribuir para a construção de uma base de apoio eleitoral. Ao canalizar benefícios, como empregos e projetos de desenvolvimento para regiões específicas, os partidos podem ganhar apoio político nessas áreas.
e) Financiamento de Campanhas: as estatais podem ser uma fonte de financiamento para campanhas políticas. O controle político sobre essas empresas pode influenciar o uso do dinheiro desviado para o financiamento dos partidos e das campanhas.
f) Influência sobre Setores Estratégicos: O controle político sobre essas empresas permite que os partidos exerçam influência sobre áreas cruciais para o desenvolvimento econômico.
g) Influência sobre Órgãos de Controle e Fiscalização: órgãos de controle e fiscalização nem sempre atuam sobre empresas e repartições públicas, pois são governadas pelo mesmo grupo político. Exemplo: escolas públicas e outras repartições passam a funcionar sem precisar cumprir as diversas exigências que o Corpo de Bombeiros exige de empresas privadas.
Este artigo de Zbigniew Kowalewski sobre o imperialismo russo foi publicado originalmente em novembro de 2014 no Le Monde diplomatique – edição polonesa.
Resumo: A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-econômicos, enfraquecidos e amputados após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparato estatal. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, permanece um fenômeno intrinsecamente interno e externo; ele opera em ambos os lados das fronteiras do país, que estão novamente se tornando móveis. Não podemos compreender a atual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – se não compreendermos que a Rússia continua sendo uma potência imperialista.
Sergey Nikolsky, um filósofo cultural russo, diz que talvez a ideia mais importante para os russos “desde a queda da Bizâncio até agora é a ideia de império e o fato de sermos uma nação imperial”. Sempre soubemos que vivemos em um país cuja história é uma cadeia ininterrupta de expansão territorial, conquista, anexação, defesa dos bens, perdas temporárias e novas conquistas. A ideia de império era uma das mais apreciadas em nossa bagagem ideológica e isto é o que proclamamos a outras nações. Com ela surpreendemos, encantamos ou enlouquecemos o resto do mundo”.
A primeira e mais importante característica do império russo sempre foi, diz Nikolsky, “a maximização da expansão territorial em nome de seus interesses econômicos e políticos, como um dos grandes princípios da política estatal”. [1] Esta expansão foi o resultado da predominância permanente e esmagadora do desenvolvimento extensivo da Rússia sobre seu desenvolvimento intensivo: a predominância da exploração absoluta dos produtores diretos sobre sua exploração relativa, ou seja, baseada no aumento da produtividade da mão-de-obra.
“O império russo foi chamado de ‘prisão dos povos’. Hoje sabemos que não é apenas o estado Romanov que merece esta descrição”, escreveu Mikhail Pokrovsky, o principal historiador bolchevique. Ele mostrou que o Grão-Ducado moscovita (1263-1547) e o Czarado russo (1547-1721) já eram “prisões de povos” e que esses estados foram construídos sobre os cadáveres dos inorodtsy, os povos indígenas não-russos. “É duvidoso que o fato de 80% do sangue que corre nas veias dos grandes russos seja seu sirva de consolo para os sobreviventes. Somente a destruição completa da opressão imperial russa por aquela força que lutou e ainda luta contra toda a opressão poderia ser uma forma de compensação por tudo o que eles sofreram”. [2] Estas palavras de Pokrovsky foram publicadas em 1933, pouco depois de sua morte e pouco antes da ordem de Stalin de substituir, na histórica formulação bolchevique de “Rússia – prisão dos povos”, a primeira palavra por uma diferente: czarismo. O regime stalinista apressou-se então a rotular o trabalho científico de Pokrovsky como uma “concepção anti-marxista” da história russa. [3]
Feudalismo militar imperialista
Ao longo dos séculos, até o colapso da União Soviética em 1991, os povos que foram conquistados e anexados pela Rússia sofreram três formas sucessivas de dominação imperialista. O “imperialismo militar feudal”, como Lenin o chamou, foi o primeiro. Não é sem interesse comentar qual foi o modo predominante de exploração naquele período: feudal ou tributária, ou, como prefere Yuri Semyonov, “politerária” [4]. Esta controvérsia é intensificada pela mais recente pesquisa de Alexander Etkind. Deles emerge que na realidade, os modos coloniais de exploração predominaram: “O império russo foi um grande sistema colonial tanto em suas fronteiras distantes como em suas sombrias profundezas, […] um império colonial como a Grã-Bretanha ou a Áustria, e um território colonizado como o Congo ou as Índias Ocidentais”, porque “ao expandir-se para espaços enormes, a Rússia colonizou seu próprio povo. Foi um processo de colonização interna, a colonização secundária de seu próprio território”.
É por isso, diz Etkind, que devemos “entender o imperialismo russo como um processo interno, não apenas externo” [5]. A escravidão lá era de caráter tão colonial quanto a escravidão negra na América do Norte, mas também afetava os grandes camponeses russos e outros que o czarismo considerava “russos”: os “pequenos russos” (ucranianos) e os “russos brancos” (bielorrussos). Etkind chama a atenção para o fato de que mesmo na Grande Rússia as revoltas camponesas eram de caráter anticolonial e que as guerras com as quais o império esmagou essas insurreições foram guerras coloniais. Paradoxalmente, o centro imperial da Rússia era ao mesmo tempo uma periferia colonial interna, dentro da qual a exploração e opressão das massas do povo era às vezes mais intensa do que em muitas periferias conquistadas e anexadas.
Quando “o imperialismo capitalista moderno” apareceu, Lênin escreveu que no império czarista ele estava “envolvido, por assim dizer, em uma rede particularmente densa de relações pré-capitalistas”, tão densa que “em geral, o imperialismo militar feudal predomina na Rússia”. Assim, ele escreveu, na Rússia “o monopólio do poder militar, do imenso território ou de instalações especiais para desapossar os povos indígenas não-russos, a China, etc., em parte complementa e em parte substitui o monopólio do capital financeiro mais moderno” [6]. Ao mesmo tempo, sendo o imperialismo das seis grandes potências menos desenvolvidas, não era mais do que um subimperialismo. Como Trotsky assinalou, “a Rússia pagou nesta moeda o direito de ser aliada dos países avançados, de importar seus capitais e de pagar juros sobre eles; ou seja, ela pagou, no fundo, o direito de ser uma colônia privilegiada de seus aliados e, ao mesmo tempo, de exercer sua pressão sobre a Turquia, Pérsia, Galiza, países mais fracos e mais atrasados do que ela mesma, e de saqueá-los. No fundo, o imperialismo da burguesia russa, com sua dupla face, nada mais era do que um agente mediador de outras potências mundiais mais poderosas”. [7]
Não há descolonização sem separação
Foram precisamente os poderosos monopólios extra-econômicos mencionados por Lenin que asseguraram a continuidade do imperialismo russo após a derrota o capitalismo na Rússia após a Revolução de Outubro. Ao contrário da afirmação anterior de Lênin de que a norma da revolução socialista seria a independência das colônias, na verdade somente se separam da Rússia as colônias que não foram alcançadas pela expansão da revolução ou aquelas que a rejeitaram. Em muitas regiões periféricas, esta expansão teve o caráter de uma “revolução colonial” liderada por colonos e soldados russos sem a participação dos povos oprimidos e mesmo mantendo de fato as relações coloniais existentes. Georgi Safarov descreveu um processo tal se experimentou na revolução no Turquestão [8]. Em outras regiões a revolução tomou a forma de conquista militar, e alguns bolcheviques, como Mikhail Tukhachevsky, improvisaram rapidamente uma teoria militarista de “revolução desde fora” [9].
A história da Rússia soviética desmente a tese dos bolcheviques de que, com a queda do capitalismo, as relações de domínio colonial de alguns povos sobre outros desapareceriam e que, consequentemente, esses povos poderiam, ou mesmo deveriam, permanecer dentro da estrutura de um único Estado. O “economismo imperialista”, que negou o direito dos povos à autodeterminação e que foi generalizado (embora criticado por Lenin) entre os bolcheviques russos, foi uma manifestação extrema deste fenômeno. Na realidade, é exatamente o contrário: a separação estatal de um povo oprimido é uma condição necessária para a destruição das relações coloniais, mesmo que não a garanta. Vasyl Shakhrai, um militante bolchevique da revolução ucraniana, entendeu isso já em 1918, quando polemizava publicamente com Lênin sobre esta questão[10]. Muitos outros comunistas não-russos também o entenderam na época, notadamente o líder da revolução tártara, Mirsaid Sultan-Galiyev, o primeiro comunista a ser afastado da vida política pública por ordem de Stalin em 1923.
Na realidade, o imperialismo baseado nos monopólios extra-econômicos acima mencionados se auto-reproduzia de muitas maneiras, espontânea e despercebida, mesmo quando perdia sua base especificamente capitalista. Assim, como mostraria Trotsky, nos anos 20 Stalin “tornou-se o vetor da opressão burocrática da Grão-Rússia” e rapidamente “obteve vantagens para o imperialismo burocrático da Grão-Rússia” [11]. Com o estabelecimento do regime estalinista, o domínio imperialista da Rússia foi restaurado sobre todos aqueles povos, anteriormente conquistados e colonizados, que permaneceram dentro das fronteiras da União Soviética, onde representavam metade da população, e sobre os novos protetorados, Mongólia e Tuva.
A ascensão do imperialismo burocrático
Esta restauração foi acompanhada de violência policial assassina e até mesmo de verdadeiros genocídios: o extermínio pela fome conhecido na Ucrânia pelo nome de Holodomor e no Cazaquistão pelo de Shasandy Asharshylyk (1932-1933). Os quadros indígenas bolcheviques e a intelligentsia foram exterminados e a russificação intensiva foi posta em marcha. Pequenas nações e minorias nacionais inteiras foram deportadas (a primeira grande deportação em 1937 foi a dos coreanos que viviam no Extremo Oriente soviético). O colonialismo interno se expandiu mais uma vez e “a mais terrível dessas práticas foi a exploração dos prisioneiros no Gulag, que pode ser chamada de forma extrema de colonização interna” [12]. Como na era czarista, a emigração da população russa e de língua russa para as periferias acalmou as tensões e as crises sócio-econômicas na Rússia, garantindo ao mesmo tempo a russificação das repúblicas periféricas. Superpovoado, empobrecido e atormentado pela fome após a coletivização forçada, o campo russo exportou mão-de-obra em massa para os novos centros industriais nas periferias da União Soviética. Ao mesmo tempo, as autoridades impediram a migração da população local não-russa do campo para as cidades.
A divisão colonial do trabalho distorceu e até retardou o desenvolvimento, e em alguns casos até transformou as repúblicas não russas e regiões periféricas em fontes de matérias-primas e zonas de monocultura. Foi acompanhada por uma divisão colonial entre cidade e campo, trabalho manual e intelectual, mão-de-obra qualificada e não qualificada, bem remunerada e mal remunerada, e uma estratificação igualmente colonial da burocracia estatal, da classe trabalhadora e de sociedades inteiras. Estas divisões e estratificações garantiram ao elemento etnicamente russo ou russificado uma posição social privilegiada com respeito ao acesso à renda, qualificações, prestígio e poder nas repúblicas periféricas. O reconhecimento da “russividade” étnica ou lingüística na forma de “salários públicos e psicológicos” – um conceito emprestado por David Roediger da W.E.B. Du Bois e aplicado em seus estudos sobre a classe trabalhadora americana branca [13] – tornou-se um importante meio de dominação imperialista russa ou a construção de uma “russividade” imperialista dentro da própria classe trabalhadora soviética.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o envolvimento da burocracia estalinista na luta por uma nova divisão do mundo foi uma extensão da política imperialista interna. No decorrer da guerra e depois que ela terminou, a União Soviética recuperou muito do que a Rússia havia perdido após a revolução e também conquistou novos territórios. Sua área territorial cresceu em 1,2 milhões de quilômetros quadrados, para 22,4 milhões de quilômetros quadrados. Após a guerra, o território da URSS era 700.000 quilômetros quadrados maior que o do império czarista quando estava prestes a ruir, e 1,3 milhões de quilômetros quadrados menor que o império no auge de sua expansão em 1866, logo após a conquista do Turquestão e pouco antes da venda do Alasca.
A luta por uma nova divisão do mundo
Na Europa, a União Soviética anexou as regiões ocidentais de Belarus e Ucrânia, Cárpatos-Ucrânia, Bessarábia, Lituânia, Letônia, Estônia, partes da Prússia Oriental e Finlândia, e na Ásia, Tuva e as Ilhas Kuril do sul. Ela passou a controlar toda a Europa Oriental e postulou que a Líbia deveria ficar sob sua tutela. Ela procurou impor um protetorado sobre duas grandes províncias fronteiriças chinesas, Xinyiang e Manchuria. Além disso, ele procurou anexar o norte do Irã e o leste da Turquia, com base no desejo de libertação e unificação de muitas nacionalidades locais. Segundo o historiador azerbaijanês Jamil Hasanli, a “guerra fria” começou na Ásia, não na Europa, em 1945 [14].
“O caráter parasitário da burocracia se manifesta, assim que as condições políticas permitem, sob a forma de pilhagem imperialista”, escreveu na época Jean van Heijenoort, ex-secretário de Trotsky e futuro historiador da lógica matemática. “O aparecimento de elementos do imperialismo implica que a teoria de que a URSS é um estado degenerado de trabalhadores tem que ser revista? Não necessariamente. A burocracia soviética é geralmente alimentada pela apropriação do trabalho de outros, e há muito reconhecemos este fato como inerente à degeneração do estado dos trabalhadores. O imperialismo burocrático é apenas uma forma especial desta apropriação” [15].
Os comunistas iugoslavos se convenceram rapidamente de que Moscou “queria subordinar completamente a economia da Iugoslávia e transformá-la em um mero coadjuvante no fornecimento de matérias-primas à União Soviética, o que dificultaria a industrialização e interromperia o desenvolvimento socialista do país” [16]. As “joint ventures” soviético-jugoslavas destinavam-se a monopolizar a exploração dos recursos naturais da Iugoslávia, necessários à indústria soviética. O comércio desigual entre os dois países asseguraria lucros extraordinários para a economia soviética em detrimento da economia iugoslava.
Após a ruptura da Iugoslávia com Stalin, Josip Broz Tito disse que após o Pacto Molotov-Ribbentrop (1939), e especialmente após a conferência dos “três grandes” em Teerã (1943), a URSS participou da divisão imperialista do mundo e “avançou conscientemente pelo antigo caminho czarista do expansionismo imperialista”. Ele também disse que “a teoria do povo líder dentro de um Estado multinacional”, proclamada por Stalin, “não é nada mais que a expressão da subjugação de fato, da opressão nacional e do saque econômico de outros povos e países pelo povo líder” [17]. Em 1958, Mao Tse Tung observou ironicamente em uma discussão com Nikita Khrushchev: “Havia um homem chamado Stalin que tomou Port Arthur e transformou Xinjiang e Manchuria em semicolônias, e também criou quatro sociedades mistas. Todas estas foram suas boas ações” [18].
A União Soviética à beira da desintegração
O imperialismo burocrático russo contava com poderosos monopólios extra-econômicos, reforçados pelo poder totalitário e, portanto, de caráter não econômico. Como resultado, revelou-se muito fraco ou totalmente incapaz de realizar os planos estalinistas de explorar os países satélites da Europa Oriental e as regiões fronteiriças da China Popular. Diante da crescente resistência nesses países, a burocracia de Moscou teve que abandonar a ideia de “sociedades mistas”, de comércio desigual e da divisão colonial do trabalho que procurava impor. Após a perda da Iugoslávia, a partir de 1948 perdeu gradualmente o controle político sobre a China e alguns outros países e teve que afrouxar seu controle sobre outros.
Dentro da própria URSS, os monopólios extra-econômicos também se mostraram incapazes de assegurar o domínio imperialista de longo prazo da Rússia sobre as grandes repúblicas periféricas. A industrialização, a urbanização, o desenvolvimento da educação e mais geralmente a modernização das periferias da União Soviética, bem como a crescente “nacionalização” de sua classe trabalhadora, da inteligência e da própria burocracia, começaram gradualmente a mudar o equilíbrio de poder entre a Rússia e as repúblicas periféricas em favor destas últimas. O controle de Moscou sobre as repúblicas periféricas estava enfraquecendo e a crescente crise do sistema acelerou o processo, que começou a desintegrar a União Soviética. Contramedidas centrais – como o derrube do regime de Petro Shelest na Ucrânia (1972), descrito como “nacionalista” pelo Kremlin – não conseguiram reverter a situação ou mesmo interromper efetivamente o processo.
Durante a segunda metade da década de 1970, o jovem sociólogo soviético Frants Sheregui tentou observar a realidade da URSS à luz da “teoria da classe marxista combinada com a teoria dos sistemas coloniais”. Ele concluiu que “a extensão gradual da intelligentsia e da burocracia (funcionariado) nacionais [isto é, autóctones – zmk] nas repúblicas não russas, o crescimento da classe trabalhadora – em suma, a formação de uma estrutura social mais progressista – levaria as repúblicas nacionais a se separarem da URSS”. Alguns anos mais tarde, encomendado pelas mais altas autoridades do Partido Comunista Soviético, ele analisou a situação social das equipes de jovens mobilizados pela Komsomol (Juventude Comunista) em todo o país para a construção da ferrovia Baikal-Amur, a famosa “obra do século”. “Eu estava curioso”, diz Sheregui, “sobre a contradição que descobri entre as informações sobre a composição internacional dos operários da construção civil, truncadas pela propaganda oficial, e o alto grau de uniformidade nacional das brigadas de trabalhadores que chegaram”. Eles eram compostos quase inteiramente de pessoas etnicamente russas e de língua russa. “Cheguei então à conclusão inesperada de que os russos (e ‘falantes de russo’) estavam sendo deslocados fora das repúblicas nacionais” pelas chamadas nacionalidades titulares, tais como os cazaques no Cazaquistão.
Isto foi confirmado em seus estudos de dois outros grandes projetos na Rússia. “O governo central sabia disso e estava envolvido no reassentamento dos colonos russos, financiando ‘projetos de engenharia de choque’. Assim, concluí que, devido ao esgotamento dos fundos sociais das repúblicas nacionais, havia escassez de empregos, mesmo para os representantes das nacionalidades titulares, onde havia garantias sociais (creches, acampamentos de férias, sanatórios, oportunidades de moradia); tais situações poderiam levar a antagonismos inter-étnicos, de modo que as autoridades gradualmente “repatriavam” jovens russos que viviam nas repúblicas nacionais. Então percebi que a União Soviética estava prestes a explodir em pedaços”. [19]
Império Militar-Colonial
A crise do regime burocrático soviético e do imperialismo russo foi tão profunda que, para surpresa de todos, a URSS entrou em colapso em 1991, não apenas sem uma guerra mundial, mas nem mesmo uma guerra civil. A Rússia perdeu suas periferias externas, já que 14 repúblicas não russas da União a deixaram e proclamaram sua independência: todas aquelas que, de acordo com a Constituição Soviética, tinham esse direito. Isto resultou em uma perda de territórios – sem precedentes na história russa – totalizando 5,3 milhões de quilômetros quadrados. Entretanto, como Boris Rodoman, um eminente cientista que criou a escola russa de geografia teórica, salientou, a Rússia permanece hoje “um império militar-colonial que é mantido ao preço de um desperdício desenfreado de recursos naturais e humanos, um país de desenvolvimento extensivo no qual o uso extremamente esbanjador e dispendioso da terra e da natureza é um fenômeno comum”. Neste campo, assim como no que diz respeito à “migração de populações, relações mútuas entre grupos étnicos, entre a população local e migrantes em várias regiões, entre autoridades estatais e populações, as características “clássicas” do colonialismo ainda estão vivas, como no passado”.
A Rússia continua a ser um Estado multinacional composto por 21 repúblicas não russas, cobrindo quase 30% do seu território. Rodoman escreve que “no nosso país temos um grupo étnico que leva o seu nome e fornece a língua oficial, bem como muitos outros grupos étnicos; alguns deles gozam de autonomia nacional-territorial, mas não têm o direito de abandonar esta pseudo-federação, ou seja, são forçados a permanecer no mesmo. Cada vez com mais frequência, a necessidade de unidades administrativas estabelecidas segundo linhas étnicas é questionada; o processo da sua liquidação começou com os distritos autónomos. Contudo, quase todos os povos não-russos não viveram na Rússia em resultado da imigração, não se mudaram para um Estado russo existente, mas pelo contrário: são nacionalidades subjugadas por este Estado, deslocadas, parcialmente exterminadas, assimiladas ou cujo estatuto de Estado foi retirado. Neste contexto histórico deve ser considerado que as autonomias nacionais, mesmo até que ponto elas são reais e até que ponto são apenas nominais, constituem uma recompensa moral para as comunidades étnicas que sofreram um “trauma de subjugação”. No nosso país, os pequenos povos que não gozam de autonomia nacional ou cuja autonomia foi retirada desaparecem rapidamente (por exemplo, os Vepsios e os Shors). As comunidades étnicas indígenas, que no início da era soviética estavam em maioria nas suas autonomias, estão agora em minoria, devido à colonização ligada à apropriação de recursos naturais, construção em grande escala, industrialização e militarização. O desenvolvimento de “terras virgens”, a construção de portos e centrais eléctricas nas repúblicas bálticas, etc., não foram apenas por razões económicas, mas também para russificar as periferias da União Soviética. Após o seu colapso, as guerras típicas para preservar colónias num império em desintegração são os conflitos armados no Cáucaso, cujos povos se tornaram reféns da política imperial conduzida de acordo com o princípio de dividir para reinar. A extensão da esfera de influência no mundo, incluindo a reincorporação de antigas partes da URSS a esta esfera, é hoje a prioridade da política externa russa. Nos séculos XVIII e XIX na Rússia czarista, as tribos nômades concordaram em tornar-se súbditos russos, pelo que as suas terras se tornaram automaticamente terras russas. A Rússia pós-soviética entrega passaportes russos aos habitantes dos países vizinhos”… [20]
Restauração do imperialismo capitalista
A restauração do capitalismo na Rússia complementou e substituiu em parte os monopólios extra-económicos, enfraquecido e amputado após a desintegração da União Soviética, por um poderoso monopólio financeiro fundido com o aparelho de Estado. O imperialismo russo, reconstruído nesta base, continua a ser um fenómeno intrinsecamente interno e externo; opera de ambos os lados das fronteiras do país, que estão de novo a tornar-se móveis. As autoridades russas criaram uma mega-empresa estatal que tem o monopólio da colonização interna da Sibéria Oriental e do Extremo Oriente. Estas regiões têm depósitos de petróleo e outros minerais. Também gozam de acesso privilegiado a novos mercados globais na China e no Hemisfério Ocidental.
É possível que estas duas regiões partilhem o destino da Sibéria ocidental. “O centro federal reserva para si quase todas as receitas petrolíferas da Sibéria Ocidental, sem afectar fundos à região, mesmo para a construção de estradas normais”, escreveu a jornalista russa Artem Yefimov há alguns anos. “O problema, como sempre, não é a colonização, mas o colonialismo”, porque “é a exploração econômica e não a melhoria e o desenvolvimento do território que a referida empresa procura. […] É basicamente uma admissão do fatto de que no país, ao mais alto nível do Estado, reina o colonialismo. A semelhança desta empresa com a East India Company e outras empresas coloniais europeias dos séculos XVII a XIX é tão óbvia que até pode ser engraçada” [21].
Há um ano, a revolta em massa dos ucranianos na Maidan de Kiev, que culminou com o derrube do regime Yanukovych, foi uma tentativa da Ucrânia de quebrar para sempre a relação colonial que historicamente a ligava à Rússia. Não podemos compreender a actual crise ucraniana – a anexação da Crimeia, a rebelião separatista em Donbas e a agressão russa contra a Ucrânia – sem compreender que a Rússia continua a ser uma potência imperialista.
Referências
[1] S.A. Nikolsky, „Russkiye kak imperskiy narod”, Politicheskaya Kontseptologuiya, no. 1, 2014, p. 42-43.
[2] M.N. Pokrowsky, Istoricheskaya nauka i bor´ba klassov, Moskva – Leningrad: Sotsekizd, 1933, vol. I, p. 284.
[3] A.M. Dubrovsky, Istorik i vlast´, Briansk: Izd. Brianskogo Gosudarstvennogo Universiteta, 2005, p. 238, 315-335.
[4] Véase J. Haldon, The State and the Tributary Mode of Production, London – New York: Verso, 1993; Yu.I. Semiónov, Politarnyi (‘azyatskiy’) sposob proizvodstva: Sushchnost´ i mesto v istorii chelovechestva i Rossii, Moskva: Librokom, 2011.
[5] A. Etkind, Internal Colonization: Russian Imperial Experience,Cambridge-Malden: Polity Press, 2011, p. 23-24, 26, 251.
[6] V.I. Lenin,Polnoe sobranie sochineniy,Moskva: Izd. Politicheskoy Literatury, 1969- 1973, vol. XXVI, p. 318; vol. XXVII, p. 378; vol. XXX, p. 174.
[7] L. Trotsky,Historia de la Revolución Rusa,Madrid: Fundación Federico Engels, 2007, p. 35.
[8] G. Safarov, Kolonialnaya revolutsiya: Opyt Turkestana, Moskva: Gosizdat, 1921.
[9] M. Tujachevsky, Voyna klassov, Moskva: Gosizdat, 1921, p. 50-59. Em inglês: M. Tukhachevsky, ,“Revolution from Without”, New Left Review,no. 55, 1969.
[10] S. Mazlakh, V. Shakhrai,On the Current Situation in the Ukraine,Ann Arbor: University of Michigan Press, 1970.
[11] L. Trotsky, Stalin, Petersburg: Lenizdat, 2007, vol. II, p. 189.