Foi um processo histórico que envolveu questões políticas e religiosas, resultando no fim do absolutismo inglês e na criação da primeira monarquia constitucional da história... mas para que isso fosse possível, houve perseguições religiosas, um rei decapitado, uma guerra civil e uma república ditatorial.
ANTECEDENTES E CAUSAS
1 - A MAGNA CARTA
Em 1215, em plena baixa idade média, as monarquias absolutistas estavam em ascensão. A famosa guerra dos Cem Anos entre França e Inglaterra ainda estava longe de acontecer, mas os dois reinos viviam disputando territórios. Para sustentar essa disputa, o rei João I recorria à criação e ao aumento de impostos, fatos que irritaram profundamente os barões ingleses, principalmente porque pagavam mais impostos e o país continuava perdendo batalhas e territórios para os franceses. Foi por estas perdas que o rei João I recebeu o apelido de "João sem Terra".
Estes impostos irritaram os barões ao ponto de reunirem suas tropas e obrigarem o rei a assinar um documento chamado Magna Carta, o qual limitava o poder real, impedindo-o (pelo menos no papel) de criar ou aumentar impostos constantemente, além de acabar com as prisões arbitrárias.
A Magna Carta, embora bastante concisa, foi considerada como uma espécie de primeira constituição da história, pois seu conteúdo limitava pela primeira vez o poder de um monarca. Este documento foi também um fator diferencial da monarquia inglesa em relação às demais monarquias. Os reis ingleses, de maneira geral, desprezaram o documento...entretanto, em determinados momentos o parlamento o utilizou para frear as intenções consideradas prejudiciais dos reis ingleses.
Anglicanismo, dinastia Tudor, Puritanismo e a perseguição religiosa
O Anglicanismo: No século XVI, em um contexto de reformas religiosas que ocorriam na Europa, o rei Henrique VIII (da dinastia Tudor), em 1534, rompeu com a Igreja Católica e criou uma Igreja oficial, chamada de Anglicana...através do Ato de Supremacia, o rei passou a ser o chefe dessa
Igreja...o patrimônio material católico foi incorporado pelo Estado e seu clero foi subordinado ao rei...os membros do clero que não aceitaram a subordinação foram declarados traidores, assim como todos os que
simpatizassem com o Papa. Uma lista de membros, tanto do clero quanto da elite política que rejeitou a medida foi executada, entre eles o brilhante intelectual Thomas
More. Ao mesmo tempo em que o clero foi subordinado ao rei, os católicos passaram a ser perseguidos.
A Rainha Elisabete I
Perseguiu tanto os católicos quanto os puritanos. Tornou obrigatória a assistência à missa anglicana. Em caso de falta, as sanções iam da flagelação à morte. Impôs um serviço de delações de modo que os que não denunciavam seus vizinhos poderiam parar eles mesmo na prisão.
O Puritanismo: o movimento da reforma protestante encontrou um terreno fértil na Inglaterra através do puritanismo, um modelo de vida caracterizado pela intensa devoção, disciplina e trabalho. O puritanismo era praticado principalmente pelos batistas, presbiterianos e congregacionais...o puritanismo também foi perseguido pelos reis: para o absolutismo, era conveniente que o povo seguisse apenas a religião oficial, para evitar que alguma liderança religiosa aproveitasse o púlpito e influenciasse o povo a se rebelar contra o rei.
A Dinastia Stuart - o reinado de Jaime I (1603-1625)
Essa dinastia, assim como os demais reis, defendia o ideal do Direito divino dos reis, ou seja
- o rei está no trono por vontade de Deus e não dos homens
- o rei não se submete a ninguém a não ser a Deus
- se alguém está contra o rei, está também contra Deus.
O rei Jaime I defendia também a ideia de uma única religião e essa seria o Anglicanismo. Sendo assim, passou a perseguir católicos e puritanos. Foi no seu reinado que ocorreu o evento da Conspiração da Pólvora, onde houve a tentativa de explosão do prédio do parlamento, através do católico radical Guy Fawkes, o qual não aceitava nem o rompimento inglês com Roma e nem a criação da Igreja Anglicana.
Foi no reinado de Jaime I que, para fugir da perseguição religiosa, puritanos e católicos começaram a emigrar para as Treze Colônias na América, as quais no futuro formariam os Estados Unidos.
O reinado de Carlos I (1625-1649)
Embora fosse anglicano, casou com a francesa católica Henriqueta Maria, fato que provocou desconfiança da nobreza...Carlos I fez um péssimo reinado: todas as suas atitudes e decisões não levavam em consideração nem a Magna Carta nem o parlamento...ele sempre invocava o Direito Divino dos reis
Ignorando a Magna Carta, o rei, pouco tempo depois de assumir o poder, determinou a cobrança de novos impostos sem a aprovação do Parlamento e, ao se envolver em conflitos externos, solicitou mais dinheiro para sustentá-los. Diante da negativa do Parlamento, Carlos I impôs a cobrança forçada de empréstimos, ordenando a prisão de quem se recusasse.
A Petição de Direitos
A reação do Parlamento contra esta atitude autoritária do rei foi obrigá-lo a assinar um documento que, junto com a Magna Carta, reafirmava as liberdades dos cidadãos ingleses e novamente limitava o poder do rei. Em 1628, Carlos I foi obrigado a assinar a Petição de Direitos, documento que declarava ilegal qualquer imposto não aprovado pelo Parlamento, proibia as prisões ilegais, o aboleto de soldados em casas particulares e a aplicação da lei marcial em tempos de paz. A Petição de Direitos, juntamente com a Magna Carta deixaram bem claro que o rei estava submisso ao poder do Parlamento e ao domínio da lei.
Embora tenha assinado a Petição de Direitos, as ações de Carlos I demonstravam o seu desprezo por qualquer forma de limitação do seu poder.
-Em 1629 ele dissolveu o Parlamento e governou sem o convocá-lo durante 11 anos. Em seguida, reviveu extintas leis e cobranças medievais, exigindo seu pagamento e multando quem não as cumpria.
-Para arrecadar ainda mais, vendeu títulos de nobreza para alguns burgueses.
-Concedeu monopólios comerciais a um pequeno grupo de amigos, permitindo-lhes ter o controle exclusivo sobre a produção e venda de alguns produtos. Isso frequentemente resultava em preços exorbitantes para os consumidores e gerava ressentimento.
-Carlos I também tentou influenciar o sistema judicial, instruindo os juízes a aumentar as multas e as penalidades nos processos criminais. Com essa atitude, o rei foi acusado de interferir de maneira indevida no sistema legal.
-Impôs o ship money: um imposto que era cobrado apenas em cidades portuárias com a finalidade de financiar a Marinha Real, passou a ser cobrado em todas as cidades do país.
O Estopim da Revolução Puritana (Guerra Civil)
Em janeiro de 1642, o rei I convocou o Parlamento com a intenção de obter aprovação de recursos para reprimir uma rebelião religiosa na Escócia (que não aceitava a imposição do anglicanismo). O Parlamento, que estava furioso com o rei, negou seu pedido. Em resposta, o rei tentou prender cinco membros do Parlamento, ação que ficou conhecida como o "Grande Incidente". Isso levou a uma crise política e ao aumento das tensões entre os defensores do rei e os defensores do Parlamento. Como resultado, diversas regiões da Inglaterra se dividiram em apoio ao rei ou ao Parlamento, e o país entrou em conflito armado em 1642.
As mudanças na sociedade inglesa:
A Inglaterra possuía uma longa tradição econômica no segmento têxtil, ao ponto de despertar o interesse da Gentry, a qual passou a usar suas terras para dedicar-se ao comércio
Gentry, a Nobreza aburguesada: Era a pequena e média nobreza rural que passou a usar suas terras para fins comerciais, principalmente no segmento têxtil, através da criação de ovelhas e produção de lã.
Yeomen: Além da Gentry, os negócios têxteis atraíram também os Yeomen, que eram o grupo dos pequenos e médios proprietários rurais.
A Revolução Puritana ou Guerra civil (1642-1649)
Nessa guerra civil houve confronto entre dois exércitos:
Exército do Parlamento (ou New Model Army) X Exército do Rei
O Exército do Parlamento (Líder: Oliver Cromwell)
-era composto principalmente pela Gentry e pelos Yeomen, que em sua maioria eram puritanos. Alguns membros da Alta Nobreza também aderiram.
-introduziu uma inovação a partir da promoção dos militares, de acordo com o seu mérito (bravura, coragem, dedicação, estudo, etc.).
O Exército do Rei:
-era composto principalmente pela Alta Nobreza
-manteve o modelo tradicional: o comando era sempre da nobreza, partindo do critério de nascimento (ser filho da nobreza). As promoções de soldados eram poucas.
e não mais pelo critério do nascimento, ou seja, ser filho da nobreza. A guerra trouxe consigo uma série de batalhas, cerco de cidades, fome e doenças, resultando em uma considerável perda de vidas humanas, cujo número de mortos varia entre 40000 e 100000 pessoas, pois não há exatidão nos números.
Ao final da guerra, o exército real é derrotado e o rei Carlos I é preso. A monarquia é extinta e a república é implantada, sob o comando de Oliver Cromwell.
A REPÚBLICA PURITANA - A DITADURA DE OLIVER CROMWELL (1649 – 1658)
A república resultou em uma experiência negativa...seu líder Oliver Cromwell, um puritano radical (chamado de Lorde Protetor), com o apoio do Exército, governou com mão de ferro, perseguindo opositores, chegando ao ponto de fechar o Parlamento.
Os principais eventos da República foram:
- Os Atos de Navegação: Foi uma medida protecionista, onde Cromwell favoreceu a burguesia naval inglesa: todos os produtos importados/exportados pela Inglaterra só poderiam ser transportados em navios Ingleses ou do país com os quais estivesse comercializando diretamente. Com essa medida, Cromwell estimulou e expandiu a economia naval inglesa através da geração de emprego e renda, ao mesmo tempo em que atingia diretamente a Holanda, dona de um vasto comércio marítimo...furiosos, os holandeses declararam guerra aos ingleses (guerra anglo-holandesa).
- Execução do rei Carlos I, ocorrida em janeiro de 1649.
- Dissolução do Parlamento (1653): havia diversas facções e muita divergências entre os parlamentares sobre os novos rumos do país dificultavam a implementação dos objetivos de Cromwell...além disso, era preciso consolidar seu poder e impedir o surgimento e o fortalecimento de uma nova liderança...sendo assim, em 20 de abril de 1653, o ditador dissolveu o Parlamento e o substituiu por um Conselho escolhido por ele próprio.
- A Separação entre Igreja e Estado: a Igreja Anglicana deixou de ser a Igreja oficial da Inglaterra.
- Fechamento de teatros e prostíbulos: esse fechamento era motivado pelo puritanismo do governante.
- Censura de livros: para controlar o que era publicado e disseminado. Muitos livros considerados imorais ou contrários à doutrina puritana foram proibidos ou destruídos.
- Perseguição aos católicos: foram desencorajados de praticar sua fé; foram proibidas as celebrações litúrgicas, missas e rituais..
- Controle dos costumes: Os puritanos acreditavam na importância da simplicidade e modéstia na vestimenta e nos costumes. Eles procuraram controlar a maneira como as pessoas se vestiam e se comportavam em público para promover a moralidade.
- Imposição do domingo: O domingo era visto como o dia do Senhor, e o governo puritano impôs estritas leis sobre o que era permitido fazer nesse dia.
- Proibição de Festividades Religiosas: na visão do puritanismo radical do governo de Cromwell, festividades religiosas tradicionais, como o Natal e a Páscoa foram proibidas ou desencorajadas.
- Restrições aos Anglicanos: Embora Cromwell tenha se oposto ao episcopado da Igreja Anglicana, ele também impôs restrições aos anglicanos que não aderiam aos princípios puritanos. Muitos clérigos anglicanos foram expulsos de suas igrejas e substituídos por líderes puritanos.
- Perseguição aos Niveladores e Escavadores (Levellers e Diggers): Os Niveladores defendiam a ideia de que todos os ingleses tivessem direito ao voto, e não apenas aqueles pertencentes à nobreza (Esse direito só seria conquistado muito tempo depois, em 1832). Já os Escavadores defendiam ideais de igualitarismo radical (comunismo), propondo uma visão utópica da sociedade, na qual a propriedade da terra seria compartilhada e a produção e os frutos do trabalho seriam divididos igualmente entre todos os membros da comunidade.
Cromwell reprimiu esses movimentos por acreditar que as ideias desses dois grupos poderiam desestabilizar a sociedade. A perseguição a esses grupos fazia parte do esforço para manter a ordem, a autoridade e a estabilidade durante o período da República Inglesa.
-Invasão, Guerra e Anexação da Irlanda (1649-1653).
A RESTAURAÇÃO MONÁRQUICA
Após
a morte de Oliver Cromwell, seu filho, Richard, assumiu o poder,
entretanto, não tendo o mesmo apoio político e militar do pai, foi
deposto pelo movimento de restauração monárquica.
Para a elite política inglesa e até uma parte do povo, a
república foi uma experiência autoritária, radical e desagradável...sendo
assim, seria melhor restaurar a monarquia e retornar a uma estrutura de
governo mais tradicional e mais fácil de ser controlada pelo
Parlamento.
O REINADO DE CARLOS II
Carlos II restabeleceu o anglicanismo como religião oficial da Inglaterra e da Escócia, ao mesmo tempo em que impôs restrições aos puritanos e católicos. Foi durante seu governo que o puritano John Bunyan, autor do famoso livro "O Peregrino", foi preso por desobediência (recusou-se a deixar de pregar sem a licença da Igreja Anglicana). Os puritanos e os católicos, embora pudessem ter um pouco mais de liberdade religiosa comparados aos períodos anteriores, ainda enfrentavam certas restrições e discriminações. Carlos II ficou famoso também por vingar a morte de seu pai, ao mandar desenterrar e decapitar o esqueleto de Cromwell. Após a sua morte, subiu ao trono o último rei absolutista, seu irmão Jaime II.
O BREVE REINADO DE JAIME II E A REVOLUÇÃO GLORIOSA
Jaime II governou pouco tempo: entre 1685 e 1688, tendo sido deposto pela Revolução Gloriosa. O que levou Jaime a perder o trono foi a descoberta de que ele e sua esposa eram católicos, fato que provocou desconfianças de que o monarca pretendia restabelecer a crença como religião oficial do país. Sendo assim, o Parlamento, com o apoio do Exército convidou o príncipe holandês protestante Guilherme de Orange para assumir o trono, desde que assinasse a Declaração de Direitos (Bill of Rights), um documento onde ficou definido, de maneira geral o seguinte:
- O rei ficava submetido ao Parlamento e à Constituição.
- Garantia de direitos individuais básicos tais como: vida, liberdade e propriedade privada
- Autonomia do Poder Judiciário, retirando as interferências do rei sobre o sistema jurídico.
- Criação de um exército permanente.
- O monarca não poderia mais obter recursos públicos para uso pessoal, sem a aprovação do Parlamento.
- Qualquer lei só poderia ser sancionada com a prévia autorização do Parlamento.
- Garantia do direito do cidadão portar arma para autodefesa.
- Em relação à liberdade de crença, o Ato de Tolerância de 1689 garantiu certa liberdade, mas com restrições para os católicos: só podiam praticar sua fé em locais fechados. Estavam excluídos de concorrer a cargos públicos e políticos...suas práticas religiosas eram altamente regulamentadas e supervisionadas.
Essas restrições foram mantidas até o início do século XIX, quando uma série de atos, incluindo o Catholic Relief Act de 1829, começou a remover muitas das restrições legais.
O saldo da Revolução Inglesa: essa revolução inspirou outros países a também criarem modelos de governo com alguma semelhança, tais como:
- A constituição e o Parlamento acima do poder real
- criação do parlamentarismo, modelo de governo que tem também sua versão republicana, onde o presidente é chefe de Estado em lugar do rei, mas quem governa é o primeiro ministro.
- liberdade econômica com o fim do mercantilismo
- liberdades civis tais como a de opinião, expressão e imprensa
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