A Guerra dos Mascates foi um conflito ocorrido no início do século XVIII, mais especificamente entre 1710 e 1711. O conflito foi consequência da crescente tensão entre a antiga e decadente elite açucareira instalada em Olinda, que via seu poder e influência diminuírem, e a emergente burguesia mercantil de Recife, composta principalmente por comerciantes portugueses, apelidados pejorativamente de "mascates" pelos olindenses. A faísca que acendeu o barril de pólvora foi a elevação de Recife à categoria de vila, um ato que concedeu autonomia política à cidade e quebrou a subordinação a Olinda, gerando a revolta dos olindenses.
Causas do Conflito
a) As dificuldades da economia açucareira: A Insurreição Pernambucana, que culminou na expulsão dos holandeses, deixou um rastro de destruição na principal atividade econômica da capitania: a produção de açúcar. Engenhos foram incendiados, lavouras devastadas e, fundamentalmente, houve uma significativa perda de mão de obra escrava.
b) A reconstrução dos engenhos exigiu investimentos vultosos: os donos de engenho tiveram que recorrer a empréstimos para reerguer suas propriedades, obter mão de obra e reativar a produção. Sendo assim, os donos de engenhos estavam bastante endivididados, principalmente dos ricos comerciantes e agiotas instalados no Recife, a quem recorreram para obter crédito. Essa relação se tornou cada vez mais desfavorável aos senhores de engenho. As dívidas acumuladas, muitas vezes com juros exorbitantes, os colocavam em uma posição de subordinação econômica em relação aos comerciantes.
c) A inversão do poder econômico: Recife, mesmo subordinada a Olinda, era mais poderosa economicamente. Essa inversão de poder gerou um profundo ressentimento na elite olindense. Eles viam sua antiga hegemonia ruir diante da ascensão dos comerciantes, a quem consideravam socialmente inferiores e meros "aventureiros". A riqueza gerada pelo comércio e pela atividade financeira em Recife contrastava com a crescente dificuldade dos senhores de engenho em manter seus privilégios e sua influência.
d) A Ascensão de Novos Produtores de Açúcar: a saída dos holandeses do Brasil em 1654 não significou o fim de sua participação no mercado açucareiro. Pelo contrário, eles levaram consigo as técnicas de produção e passaram a produzir açúcar nas Antilhas Holandesas. Além disso, outras potências coloniais, como Espanha (em Cuba), França (no Haiti) e Inglaterra (na Jamaica), também investiram pesadamente na produção de açúcar em suas colônias caribenhas. Esses novos centros produtores representavam uma ameaça direta ao monopólio e à hegemonia brasileira no mercado açucareiro global.
e) Vantagens Competitivas dos Novos Produtores: Proximidade Geográfica: As colônias do Caribe estavam geograficamente mais próximas dos principais mercados consumidores europeus. Isso resultava em custos de frete significativamente menores para o açúcar produzido nessas regiões.
f)Tecnologia e Eficiência: Os holandeses, em particular, e posteriormente outros países, introduziram melhorias nas técnicas de produção e refino do açúcar em suas colônias, aumentando a eficiência e, por vezes, a qualidade do produto.
g) Preços Mais Competitivos: Com custos de produção e, especialmente, de transporte mais baixos, o açúcar do Caribe e das Antilhas era vendido na Europa por preços mais competitivos do que o açúcar brasileiro.
h) Impacto na economia açucareira brasileira: A maior oferta de açúcar no mercado internacional, somada à concorrência de produtores mais eficientes e com fretes mais baratos, levou a uma queda acentuada no preço do açúcar brasileiro. Essa queda de preços significava menor lucro para os senhores de engenho de Pernambuco, que já enfrentavam o custo da reconstrução de seus engenhos e a compra de novos escravizados após a Insurreição Pernambucana.
i) Poder e Ostentação: Os senhores de engenho viviam um estilo de vida luxuoso, ao ponto de serem considerados como a "nobreza da terra" : o engenho não apenas como uma fonte de renda, mas como um símbolo de status e poder social e político. Acostumados a vender seu produto com margens de lucro elevadas e sem grandes desafios de mercado, eles tinham dificuldades em entender que os tempos eram outros
j) Adaptação aos novos tempos: Para que o açúcar pernambucano continuasse competitivo, seria necessário reduzir drasticamente os custos de produção para compensar o frete mais elevado. Isso implicaria em:
Modernização dos Engenhos: Investimentos em novas técnicas e equipamentos para aumentar a eficiência da produção.
Gestão Mais Rigorosa: Controle de gastos, otimização da produção, diminuição do estilo de vida ostentatório, etc.
k) Elevação do Custo da mão de obra escrava: Além disso, o custo do tráfico negreiro estava elevado devido ao início do ciclo da mineração, fato que elevou bastante o preço dos escravos.
Causas do crescimento do Recife:
- Tendo um porto privilegiado, o Recife naturalmente se tornou o centro das atividades mercantis da capitania. Era através do porto que se exportava toda a produção açucareira. Todo o açúcar produzido nos engenhos, tanto os de Olinda quantos os de outras localidades, precisava ser escoado pelo porto do Recife para ser enviado à Europa, dando aos comerciantes recifenses grande controle sobre essa cadeia de suprimentos.
- Ao mesmo tempo, era através do porto que se importavam escravos, manufaturas, tecidos, armamentos, alimentos, etc., tudo passava pelo porto do Recife.
- Naquela época, a economia pernambucana era profundamente marcada pela monocultura da cana-de-açúcar. A busca por maximizar a produção de açúcar levou à destinação da vasta maioria das terras férteis para o plantio da cana. Consequentemente, a produção de alimentos básicos era pequena. Isso gerou uma crítica dependência da importação de alimentos de outras capitanias (como a Bahia e o Sul do Brasil) ou até mesmo de Portugal. Grãos, carnes, farinhas e outros gêneros essenciais para alimentar a população (colonos e escravizados) precisavam ser trazidos de fora. Esta dependência externa de alimentos conferia aos comerciantes do Recife um poder imenso: eles controlavam não apenas a exportação do açúcar, mas também a importação de tudo o que era necessário para a vida diária.
- os comerciantes enriqueceram ao ponto de emprestar dinheiro aos senhores de engenho, cobrando elevados juros.
-Junto com a decadência havia a inveja da aristocracia açucareira, que passou a apelidar os comerciantes (que em sua maioria eram portugueses) de mascates.
Poder econômico X Poder Político: os comerciantes tinham poder econômico, mas não o político: dependiam das decisões da Câmara de Olinda, a qual estava nas mãos dos donos de de engenho. As decisões da Câmara pouco ou nada favoreciam o Recife. Todos os impostos eram recolhidos em Olinda. Diante dessa situação desfavorável, os recifenses fizeram chegar ao rei de Portugal suas queixas, o qual, em 1703 autorizou o direito do Recife de ter representantes na Câmara. Na prática, essa decisão não resultou em nenhuma medida positiva, pois os donos de engenhos eram maioria na Câmara e aprovavam tudo o que quisessem.
O Estopim da guerra: insatisfeitos, os recifenses apelaram ao rei Dom João V para que emancipasse o Recife. A emancipação ocorreu em 1709, quando o rei assinou o alvará régio que elevou o Recife à condição de vila, tornando-o administrativamente independente de Olinda. Essa medida foi vista como uma afronta pelos senhores de engenho olindenses, pois perderiam perder político e econômico.
- sendo elevada à condição de vila, Recife ganhava o direito de ter uma câmara municipal própria e não pagaria mais impostos à Olinda. De imediato, os recifenses mandaram erguer um pelourinho.
Por que os olindenses (donos de engenho) não aceitavam essa decisão?
a) porque deixariam de receber os impostos dos recifenses
b) porque perderiam poder econômico e político
c) porque os vereadores da Câmara do Recife, com o apoio do governador, poderiam decretar a execução de suas dívidas com os "mascates"
d) porque Olinda deixaria de ser a sede do governo da Capitania
A Revolta dos Olindenses:
Revoltados com a separação e a perda de poder, os olindenses decidiram partir para a violência, destruindo o pelourinho em 1710. O capitão olindense, Bernardo Vieira de Melo era um dos revoltados e teria bradado pela primeira vez o grito de república, no Senado de Olinda...mesmo assim, essa revolta não foi separatista, mas uma revolta de insatisfação da aristocracia açucareira contra toda a situação que lhes era desfavorável...na esteira dos acontecimentos, os olindenses ainda tentaram matar o governador Sebastião de Castro Caldas, acusado de favorecer os recifenses. Ferido, Caldas partiu para Salvador.
O Bispo de Olinda no poder: os olindenses, reunidos na Câmara, empossam o bispo de Olinda, dom Manuel Álvares da Costa como novo governante da capitania.O bispo decretou o perdão geral.
A fase da guerra: os recifenses partiram para o revide: destruíram engenhos e prenderam lideranças olindenses, dentre eles, Bernardo Vieira de Melo e o bispo dom Manuel. A reação de Olinda foi arregimentar tropas para cercar o Recife.
A Intervenção portuguesa: Ao saber das notícias vindas do Brasil, a coroa portuguesa decidiu enviar tropas e um novo governador, Félix José de Mendonça, o qual chegou afirmando ser neutro em relação ao conflito...entretanto, após assumir o governo da capitania, favoreceu os mascates e mandou prender mais de 150 pessoas, acusadas de rebelião, separatismo e planejamento de um atentado.
O Final do conflito: Em 1712, Recife é elevada à condição de vila, ganha autonomia, passa a ter sua própria Câmara; Bernardo Vieira de Melo e seu filho André Vieira de Melo são enviados presos para Lisboa, onde são julgados, condenados e presos. Em 1714, o rei Dom João V anistiou os envolvidos e perdoou as dívidas dos senhores de engenho olindenses.
Em 1823, Recife é elevada à condição de cidade e em 1827 tornou-se a capital da província de Pernambuco.
Olinda na atualidade: Há muito tempo que Olinda deixou de produzir açúcar. Com o passar do tempo, seu imenso território foi sendo subdividido em novas cidades. Hoje, em termos de área, Olinda é a menor cidade da região metropolitana do Recife e a terceira menor do Estado de Pernambuco. Por outro lado, sendo Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO (desde 1982), Olinda atrai grande número de turistas, fato que favorece o turismo, o comércio, a hospedagem, o artesanato, etc. Olinda tornou-se conhecida também como uma cidade da festa, através de seu famoso carnaval que atrai milhares de foliões e gerando uma movimentação econômica significativa para o setor de serviços, hotelaria, gastronomia e comércio.
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